Conto das terças-feiras – Golpe do baú
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 9 de junho de 2020
Durante a década de ouro do fruto do cacaueiro, que criava fortuna para os que acreditavam na lavoura, as filhas dos fazendeiros eram classificadas para casamento, pela quantidade de arrobas que o pai colhia. A cotação começava com dez mil arrobas anuais, mas que não despertava grande interesse. Muitos rapazes atraídos pela cobiça cortejavam a Região Sul da Bahia em busca de um melhor destino. Os que iam chegando de outras plagas, propagavam para os parentes e amigos o solo fértil da região.
Assim aconteceu com Carlos Alberto, mineiro que já contava com alguns primos morando na cidade de Itabuna, centro difusor das riquezas da região. Belo moço, alto, cabelos castanhos e vastos, olhos verdes, corpo atlético, 22 anos de idade, tudo o que as moças das roças de cacau do Sul da Bahia sonhavam para ter como namorado. Sua chegada convulsionou os rapazes do local, o moço era hostilizado continuadamente, mas sempre defendido pelas garotas da cidade. O seu modo de vestir, nada discreto, recebia crítica da rapaziada, que o taxava de afeminado. Ele não era nada disso, só queria chamar a atenção das moçoilas que rodopiavam pelas calçadas da Praça da Prefeitura, em busca de classificação para um bom casamento.
Uma das barbaridades que fizeram com o rapaz foi jogar pedra em seu velho fusca, adquirido com o dinheiro ganho em desfiles de moda promovidos na região. Desfilava também em troca de roupas fornecidas pelas boutiques locais, vindo daí a extravagância de seus modelitos. Ele não se importava, sabia que um dia seria recompensado pela insistência em buscar um casamento acima de 50 mil arrobas, foi uma aposta que fez com um amigo.
A região prosperava, o cacau vendia bem, e em dólares, a lavoura respondia ao trato que lhe era dado, a produtividade aumentava e com isso a produção. Carlos Alberto também prosperava, passou a ser aceito pela sociedade local. Era sempre convidado a ser padrinho de festa de 15 anos, a dançar com a aniversariante. Um rico cacauicultor o convidou para trabalhar em sua empresa, que além das fazendas, construía prédios, era dono de uma concessionária de carros, tinha hotel, era exportador de cacau, e tinha fortes ligações políticas locais e no estado. Tinha voz entre os representantes dos cacauicultores
Não poderia ser diferente, com um padrinho como esse, as coisas estavam andando muito bem. O padrinho tinha uma filha, não era bonita, mas cabia nos planos do mineiro, casar-se com uma moça rica, mais do que rica, uma moça cheia do cacau, como se dizia nas cidades da região sobre aqueles que detinham muito dinheiro, proveniente do cultivo do fruto ouro.
O casamento não tardou, a cidade engalanou-se, políticos de toda a região foram convidados, o governador também. Não se falava em outra coisa, muitos não conheciam o noivo, que ficou encoberto até os colunistas sociais locais revelarem o nome do misterioso pretendente à mão da princesa do cacau. Mesmo depois da divulgação do nome do afortunado, muitos se perguntavam quem seria ele, seu currículo jamais conseguiu atravessar às fronteiras da cidade. Boatos e cochichos corriam pelas esquinas das principais ruas da cidade. Para uns a pergunta era: qual o motivo de tão inesperado casamento? Outros já tinham a resposta na ponta da língua, gravidez sempre apressa casamento!
A preocupação dos políticos era se esse homem estava sendo preparado pelo seu mentor, para ser candidato a algum mandato, talvez prefeito, as eleições estavam próximas. Os políticos mais cismados estavam preocupados com o seu amanhã, quem o chefão botaria para escanteio, para colocar o apadrinhado? Durante a missa, eles já marcaram uma reunião da bancada regional para segunda-feira, já queriam discutir esse assunto.
O casamento, com muita pompa aconteceu, cozinheiro vindo da capital foi o responsável pelo Buffet para 500 convidados, a mesa de frios, como entrada, contou com damascos com queijo brie, carpaccio de salmão defumado, endívias com patê de foie e zuchinni (abobrinha) flambada ao azeite extra virgem com mozzarela de búfala e grana padano. Rolou whisky importado, várias procedências, vinho branco e tinto “de 1ª linha” e espumante importado. O jantar foi deslumbrante, o chef não divulgou a ementa, mas todos saíram satisfeitíssimos.
Dois meses depois o casamento deu com os burros n’águas. A noiva viajou para a Europa, o noivo perdeu o emprego e fugiu da cidade, correndo dos cobradores de dívidas e da polícia, pelo baita desfalque que o meliante deu nas empresas do sogro. A recompensa oferecida pelo ex-sogro movimentou a cidade por duas semanas, depois disso o povo cansou e não se falou mais no bonitão.