Ajuda do Destino
Naquela manhã de chuva, Aline acordou junto dos primeiros sinais de claridade que adentraram ao seu quarto, varando a cortina azul surrada que cobria a janela e lhe dava alguma proteção sobre as luzes exteriores. Acordar, já há algum tempo, havia se tornado uma agonia.
Levantou e dirigiu-se ao banheiro, onde abriu a torneira levemente enferrujada e jogou a água gelada do inverno carioca no rosto. Após o choque, olhou a própria cara amassada no espelho e resmungou sobre as rugas e os cabelos brancos que começavam a aparecer:
-Estou ficando velha!
Tinha apenas 35 anos, era solteira e não tinha filhos. O último namorado já havia quase 2 anos e foi mais um dos relacionamentos que não evoluíram em sua vida. Já não se lembrava mais em que momento havia perdido as rédeas do próprio destino. Deixou a água fervendo para o café e foi até o quarto, onde colocou a roupa que já havia separado na noite anterior: uma calça jeans surrada -a mesma do dia anterior- com uma camisa simples de gola em v meio mal passada. O sapato era o de todo dia, baixo, de tecido e acabamento de palha nas laterais e aquele cheiro azedo e pouco agradável acumulado por semanas a fio.
Adoçou o café, comeu um pão dormido que ainda havia na dispensa com o resto de manteiga que ainda resistia na geladeira, e assim saiu pra trabalhar como fazia todos os dias. Desceu de seu apartamento no bairro do Engenho de Dentro, caminhou até o ponto de ônibus e de lá tomou o 363 que a levaria ao Centro da cidade. Pelo caminho não conseguia ver o colorido alegre da vida. Ao contrário, lhe saltavam aos olhos as coisas negativas, fossem elas sobre o clima, sobre a sociedade ou sobre a própria vida.
Chegando na região central da cidade tudo parecia ainda mais cinza. Os prédios, as pessoas, o tempo... Não conseguia perceber o brilho sol, o entusiasmo das crianças que chegavam na escola e felizes, encontravam os colegas no portão ou os casais apaixonados que transitavam de mãos dadas pela rua. Nenhum tipo de beleza era captado por seus olhos que já pareciam treinados para somente mirar no pior. Pobre Aline.
Enfim chegaria à agência do grande banco privado no qual trabalhava há 15 anos. Atendia ao público vendendo empréstimos, seguros e negociava com os inadimplentes. Para Aline exercer a sua atividade profissional era uma verdadeira via crucis . Sonhava em trabalhar com algo que lhe trouxesse satisfação e que não transformasse seus dias num tormento. Estava cansada de todos os dias pedir aos céus para que a livrasse daquelas malditas 6 horas diárias o mais rápido possível.
Gostava de dança e considerava se dedicar mais a essa prática. Era exímia confeiteira e almejava ter tempo para desenvolver suas habilidades. Adorava animais e planejava abrir uma Pet Shop para de alguma forma, estar mais próxima deles. Mas esse era o grande problema de Aline: ela considerava, almejava, planejava mas nunca colocava em prática. Seguia se arrastando na cova que havia se enterrado ainda em vida.
O tempo ia passando e como precisava do salário que recebia, tocava a vida do jeito que dava desejando que um dia milagrosamente as coisas iriam se encaixar. Não percebia que o tempo, implacável, estava passando...
Foi quando o pior aconteceu: foi demitida do banco, num dos diversos cortes promovidos por essas instituições. Apesar dos lucros bilionários, o banco justificou as demissões jogando a culpa na necessidade de controle de custos.
-Eu dediquei os meus melhores anos a essa instituição, disse ela ao ser informada pelo gerente da rescisão contratual... ele pareceu pouco se importar com a sua lamentação.
Aline ficou desolada. Apesar de odiar o que fazia, era dali que tirava o seu sustento. Temia passar por dificuldades pois já não era jovem e o país ainda estava em crise. Mas respirou fundo e se atentou que com 15 anos de fundo de garantia na mão, somados as demais verbas rescisórias, poderia tirar um tempo para si mesma e planejar com calma o que faria do seu futuro.
Com o tempo livre, finalmente poderia fazer algo que realmente gostava e começou a fazer seus bolos. Sua habilidade era grande nesta atividade e passou a postar cada guloseima em suas redes sociais. Não demorou muito para começarem a chegar os pedidos dos amigos para que fizesse um bolo aqui, uma torta acolá e quando se deu conta, estava profissionalmente realizando uma das atividades que mais lhe trazia satisfação.
Para aproveitar ainda mais a nova realidade, se matriculou no estúdio de dança próximo a sua casa e nas aulas conheceu Vitor, rapaz solteiro e da mesma idade e logo começaram a namorar.
Aline começava entender aquele ditado popular: “ Deus escreve certo por linhas tortas”. Percebeu que o universo havia lhe dado um empurrão, uma ajuda, talvez por perceber que, apesar de merecedora, ela não teria coragem para tal iniciativa. Se arrependeu do tempo que considerava haver perdido mas jurou para si mesma que dali em diante, não deixaria mais a vida passar em branco. Ou talvez o cinza fosse a cor mais adequada para a vida que levava.
Passou a acordar alegre, agradecendo aos céus por mais uma oportunidade de estar viva, saudável e feliz. Entre bolos, dança e beijos de amor, hoje vive seus dias mais coloridos.
Dominou as rédeas do próprio destino.
Naquela manhã de chuva, Aline acordou junto dos primeiros sinais de claridade que adentraram ao seu quarto, varando a cortina azul surrada que cobria a janela e lhe dava alguma proteção sobre as luzes exteriores. Acordar, já há algum tempo, havia se tornado uma agonia.
Levantou e dirigiu-se ao banheiro, onde abriu a torneira levemente enferrujada e jogou a água gelada do inverno carioca no rosto. Após o choque, olhou a própria cara amassada no espelho e resmungou sobre as rugas e os cabelos brancos que começavam a aparecer:
-Estou ficando velha!
Tinha apenas 35 anos, era solteira e não tinha filhos. O último namorado já havia quase 2 anos e foi mais um dos relacionamentos que não evoluíram em sua vida. Já não se lembrava mais em que momento havia perdido as rédeas do próprio destino. Deixou a água fervendo para o café e foi até o quarto, onde colocou a roupa que já havia separado na noite anterior: uma calça jeans surrada -a mesma do dia anterior- com uma camisa simples de gola em v meio mal passada. O sapato era o de todo dia, baixo, de tecido e acabamento de palha nas laterais e aquele cheiro azedo e pouco agradável acumulado por semanas a fio.
Adoçou o café, comeu um pão dormido que ainda havia na dispensa com o resto de manteiga que ainda resistia na geladeira, e assim saiu pra trabalhar como fazia todos os dias. Desceu de seu apartamento no bairro do Engenho de Dentro, caminhou até o ponto de ônibus e de lá tomou o 363 que a levaria ao Centro da cidade. Pelo caminho não conseguia ver o colorido alegre da vida. Ao contrário, lhe saltavam aos olhos as coisas negativas, fossem elas sobre o clima, sobre a sociedade ou sobre a própria vida.
Chegando na região central da cidade tudo parecia ainda mais cinza. Os prédios, as pessoas, o tempo... Não conseguia perceber o brilho sol, o entusiasmo das crianças que chegavam na escola e felizes, encontravam os colegas no portão ou os casais apaixonados que transitavam de mãos dadas pela rua. Nenhum tipo de beleza era captado por seus olhos que já pareciam treinados para somente mirar no pior. Pobre Aline.
Enfim chegaria à agência do grande banco privado no qual trabalhava há 15 anos. Atendia ao público vendendo empréstimos, seguros e negociava com os inadimplentes. Para Aline exercer a sua atividade profissional era uma verdadeira via crucis . Sonhava em trabalhar com algo que lhe trouxesse satisfação e que não transformasse seus dias num tormento. Estava cansada de todos os dias pedir aos céus para que a livrasse daquelas malditas 6 horas diárias o mais rápido possível.
Gostava de dança e considerava se dedicar mais a essa prática. Era exímia confeiteira e almejava ter tempo para desenvolver suas habilidades. Adorava animais e planejava abrir uma Pet Shop para de alguma forma, estar mais próxima deles. Mas esse era o grande problema de Aline: ela considerava, almejava, planejava mas nunca colocava em prática. Seguia se arrastando na cova que havia se enterrado ainda em vida.
O tempo ia passando e como precisava do salário que recebia, tocava a vida do jeito que dava desejando que um dia milagrosamente as coisas iriam se encaixar. Não percebia que o tempo, implacável, estava passando...
Foi quando o pior aconteceu: foi demitida do banco, num dos diversos cortes promovidos por essas instituições. Apesar dos lucros bilionários, o banco justificou as demissões jogando a culpa na necessidade de controle de custos.
-Eu dediquei os meus melhores anos a essa instituição, disse ela ao ser informada pelo gerente da rescisão contratual... ele pareceu pouco se importar com a sua lamentação.
Aline ficou desolada. Apesar de odiar o que fazia, era dali que tirava o seu sustento. Temia passar por dificuldades pois já não era jovem e o país ainda estava em crise. Mas respirou fundo e se atentou que com 15 anos de fundo de garantia na mão, somados as demais verbas rescisórias, poderia tirar um tempo para si mesma e planejar com calma o que faria do seu futuro.
Com o tempo livre, finalmente poderia fazer algo que realmente gostava e começou a fazer seus bolos. Sua habilidade era grande nesta atividade e passou a postar cada guloseima em suas redes sociais. Não demorou muito para começarem a chegar os pedidos dos amigos para que fizesse um bolo aqui, uma torta acolá e quando se deu conta, estava profissionalmente realizando uma das atividades que mais lhe trazia satisfação.
Para aproveitar ainda mais a nova realidade, se matriculou no estúdio de dança próximo a sua casa e nas aulas conheceu Vitor, rapaz solteiro e da mesma idade e logo começaram a namorar.
Aline começava entender aquele ditado popular: “ Deus escreve certo por linhas tortas”. Percebeu que o universo havia lhe dado um empurrão, uma ajuda, talvez por perceber que, apesar de merecedora, ela não teria coragem para tal iniciativa. Se arrependeu do tempo que considerava haver perdido mas jurou para si mesma que dali em diante, não deixaria mais a vida passar em branco. Ou talvez o cinza fosse a cor mais adequada para a vida que levava.
Passou a acordar alegre, agradecendo aos céus por mais uma oportunidade de estar viva, saudável e feliz. Entre bolos, dança e beijos de amor, hoje vive seus dias mais coloridos.
Dominou as rédeas do próprio destino.