Conto das terças-feiras – Rifando um avião
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 2 de junho de 2020
Em 4 de julho de 1936, o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Getúlio Vargas, sancionou a Lei 218, que no seu artigo 1º instituía no Brasil, o Dia do Aviador, a ser celebrado em 23 de outubro de cada ano, com comemoração cívica, desportiva e cultural. Esse ato legal vigora até hoje, sendo comemorado em todas as unidades da Força Aérea Brasileira, dentro da Semana da Asa. A data celebra o dia em que o brasileiro Alberto Santos Dumont realizou o primeiro voo de um aparelho mais pesado que o ar, impulsionado por motor próprio, o famoso 14-bis. As festividades marcadas para a data sempre contam com voos do Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA), mais conhecida como Esquadrilha da Fumaça, tendo como componentes pilotos e mecânicos da Força Aérea Brasileira. Criada em 1952, sua primeira apresentação pública deu-se em 14 de maio de 1954.
No final da década de 1950, em comemoração ao Dia do Aviador, dentro da Semana da Asa, em Fortaleza, a FAB colocou em exposição na Praça do Ferreira, um avião de treinamento turbojato Gloster TF7, de dois lugares, de procedência inglesa, com 13,25 m de comprimento, 11,3 m de envergadura e 3,96 m de altura. Aquela majestosa máquina voadora, colocada ali na principal praça da cidade, despertou a curiosidade de populares, que até deixavam de ir trabalhar para ficar observando tão maravilhosa arma de guerra.
Como em toda aglomeração sempre aparecem espertalhões, um sujeito de nome Carlos Alberto, bem vestido e dizendo-se representante da FAB estava vendendo cautelas de rifa do avião exposto. Ele chegava bem próximo ao incauto, falando baixinho e deitava os seus argumentos:
— Você foi escolhido pela FAB para concorrer a esse valioso prêmio, este avião.
Alguns arregalavam os olhos e perguntavam logo o preço da rifa. A resposta dependia da cara do abordado. A Praça do Ferreira, para quem não conhece, é muito frequentada por trabalhadores do comércio e de pequenas lojas. Pessoas humildes e algumas, de pouca instrução, destituídos de segunda intenção, de malícia. Uma dessas pessoas foi o jovem do interior que acabara de chegar a Fortaleza. Ele desembolsou tudo o que tinha no bolso, que compreendia um mês de sustento na capital. O malandro lhe informara que o sorteio seria às 17 horas, quando o coronel chegasse. Com o dinheiro no bolso, o meliante desapareceu da praça, desconfiava que já houvesse gente de olho nele.
Na hora esperada do sorteio e vendo que não havia nenhum movimento nesse sentido, de rifa na mão o jovem foi até às cordas que separavam o avião dos curiosos, onde estavam quatro sargentos da Aeronáutica, reclamar pela demora do sorteio. Avisado que aquilo era um golpe, começou a gritar:
— Quero o meu dinheiro, era tudo o que eu tinha!
Um dos sargentos o levou à presença do capitão, responsável naquele momento, para tentar acalmá-lo. Inicialmente ele resistiu, depois se deslocou até ao capitão, que perguntou ao jovem:
— Para que você queria um avião desses? Você sabe pilotar?
— Eu piloto um pequeno avião, aprendi para trabalhar na pulverização, em uma fazenda nos Estados Unidos. Meu irmão trabalha lá, ele também é piloto e faz pulverização de lavouras.
— Mas esse é um jato de dois lugares, não serve para pulverização, completou o oficial.
— Não era para usar na pulverização, eu pretendia roubar minha namorada e voar para outro país.
— Por que sequestrar sua namorada, não é mais fácil casar-se e viver com ela aqui mesmo?
— O pai dela me mata se eu chegar perto da filha. Ele já tentou uma vez, por isso vim para Fortaleza, ganhar dinheiro e poder fugir com ela.
Que ingenuidade, - pensou o capitão. O garoto foi alertado que teria caído em um golpe de estelionato, como o indivíduo não foi encontrado, nada poderia ser feito contra ele. Depois de acalmado ele foi levado para a casa do capitão que o permitiu ficar até arranjar um emprego.
No outro dia os jornais locais jocosamente divulgaram notas sobre a rifa do jato da FAB. A polícia informou que foram muitos os que caíram no ardil do meliante. O povo riu por uma semana.