MEIA IDADE*

"Agora a última vocês não vão acreditar! O Pezão saiu do armário! Tô falando sério! Lembra dele, todo machão, todo cheio de preconceito? Dizem que anda de mãos dadas com um negão de quase dois metros! Rebolando e tudo!

"Ué?! Tem que ir com tudo para aproveitar o tempo perdido!" A roda de amigos na mesa do bar caiu na gargalhada. A conversa continuou animada. Riram de outro que havia largado o emprego e a família para ser "riponga", outro vendeu a empresa para ser fazendeiro, outro virou evangélico e tudo virara pecado, e a coisa ia nessa linha.

Só foram embora quando o boteco fechou, cada um no seu respectivo uber, pois ninguém tinha condições de dirigir. Apenas o Rodrigo insistiu em voltar para casa andando. Não se incomodaram pois ele tendia a ficar melancólico quando bebia. Enquanto caminhava seus pensamentos se voltavam para a questão que tanto os divertira: Porque tantos dos seus conhecidos de colégio estavam tendo atitudes tresloucadas? Mesmo obinubilado chegou a uma conclusão assustadora antes de alcançar sua casa: Era porque: ERA AGORA OU NUNCA!

Todos haviam passado dos quarenta. Em todos os aspectos suas vidas só tinham uma direção: Ladeira abaixo! Era última oportunidade para ser ou fazer oque se quisesse. Cambaleando pela calçada ia revisando sua estória, imaginando o que faltava nela para que alguém quisesse ler.

Chegou em casa na ponta dos pés. Na geladeira, um aviso enorme: "TEM COMIDA NO MICRO. VAI DORMIR NO QUARTO DA ANA E NÃO FAÇA BARULHO!" Abriu a porta e viu sua esposa roncando espalhada na cama. Foi até o quarto do filho adolescente e ele não estava. Tomou um banho no chuveiro de fora, se vestiu e foi se deitar. Olhando para o cartaz do filme "O Clube dos Cinco" na parede, foi tragado por uma imensa saudade de sua filha que estudava Veterinária em outra cidade. "É... dela posso me orgulhar." Decidiu que quando acordasse, sobre o efeito benfazejo e esclarecedor da ressaca escolheria entre dois convites. Um de ir a um culto da igreja à qual seu amigo se convertera. O outro de ir a uma aula experimental de dança de salão que a linda e sempre tão solícita estagiária lhe convidara. A última coisa que sentiu foi um intenso perfume de gardênia, uma pele macia colada ao seu rosto e uma música ao fundo:

"Sentindo frio em minha alma, te convidei para dançar. A sua voz me acalmava: São dois para lá, dois para cá..."