Aquilo que nos separa

Olhei para o celular, vibrando sobre a mesa, pensando se deveria ou não atender a ligação. Finalmente, estendi a mão e levei o aparelho ao ouvido.

- Filho? Achei que não ia atender...

- Como a senhora está, mãe? - Indaguei, ignorando a reprimenda.

- Eu não estou bem, você sabe. Aliás, não sabe, já que não tem vindo me ver.

A voz dela me pareceu alterada; resolvi averiguar:

- Mãe, você bebeu?

- Por que está me perguntando isso? - Retrucou indignada. - Eu disse alguma coisa que te ofendeu?

- Nós temos um trato, mãe - prossegui, imperturbável. - Se você tiver bebido, não vou continuar conversando com você. Chega de discussões sem sentido.

- Eu só comentei que você não tem me visitado mais - replicou, sem entrar no mérito sobre seu estado potencialmente etílico. - Ou acha que só ligo quando bebo?

- Sobre visitas, mãe, também lhe avisei que só voltaria à sua casa quando você estivesse sóbria há pelo menos 30 dias. Quanto tempo faz que bebeu pela última vez?

- Isso não vem ao caso, - protestou - eu sou sua mãe, você tem a obrigação moral de vir me ver!

- Farei isso quando tiver certeza de que não vamos entrar numa discussão sobre qualquer coisa trivial - redargui. - Ou seja, quando me der provas de que conseguiu se estabilizar. Você foi às reuniões do Alcoólicos Anônimos?

Do outro lado da linha, apenas a respiração dela. Finalmente, desabafou:

- Eu detesto aquelas reuniões! As pessoas ali, não me entendem de verdade!

- Talvez porque você não queira ouvir os problemas dos outros, mãe.

Ela aumentou o tom da voz:

- Você me compreende! Por isso preciso que venha me ver!

- O fato de que tenhamos passado por situações desagradáveis juntos, provavelmente me torna um especialista nos seus problemas, mãe - atalhei. - Mas justamente por isso não possuo a isenção necessária para ser seu terapeuta. Melhor a senhora procurar terapia de verdade, se não quer ir aos Alcoólicos Anônimos.

Minha mãe suspirou, aparentemente se dando por vencida.

- Você me acompanharia, então... à terapia?

- Se eu marcar a consulta, a senhora promete que estará sóbria? - Indaguei.

- Eu não vou beber no dia - prometeu.

- Isso não é suficiente - pressionei. - Uma semana sem beber, no mínimo. Ou não temos acordo.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos.

- Eu acho que preciso me internar - declarou por fim.

- Prepare suas coisas - respondi. - Eu estou indo lhe buscar.

E desliguei o celular, antes que ela se arrependesse.

- [30-05-2020]