Pequenos gestos de heroísmo

- E como está o dia do meu herói favorito?

Encarei a tela do celular onde eu via o rosto da minha filha na videochamada, mas ela estava sorrindo e não era de ironia.

- Que história é essa de herói favorito, Maria Amélia? O que estou fazendo de heróico, trancado em casa desde o início da pandemia?

- Evitando que percamos você para o vírus, em primeiro lugar - declarou ela, solenemente. - Quanto menos se expor, melhor.

- É a primeira vez que ouço que ficar em casa é um gesto heróico... - desdenhei.

- Pois pode crer que é, paizinho - afirmou. - Não só pelo senhor, ou por nós, o que poderia ser rotulado como egoísmo, mas por todas as pessoas com as quais o senhor não vai ter contato, de um jeito ou de outro. Só vamos conseguir conter essa pandemia evitando ao máximo circular por aí. Se o senhor fica recolhido em casa, está fazendo a sua parte na batalha.

- Estou ficando em casa, só saio para ir à padaria, e faço compras no supermercado pela internet. Ah, e lavo as mãos regularmente!

- Então está cumprindo com sua parte na lista de pequenos gestos diários de heroísmo - assegurou Maria Amélia. - Continue assim que, quando tudo isso houver passado, vamos lhe dar uma medalha; nem que seja de bom comportamento.

Fiz um muchocho.

- Qual! Troco essa medalha por um abraço... essa talvez seja a parte mais difícil desse isolamento forçado.

- Enquanto não podemos nos abraçar, vamos pelo menos manter contato, não é?

- Não é a mesma coisa, mas entendo o que quer dizer - repliquei. - Talvez este seja o seu gesto diário de heroísmo, filha.

- Qual? - Indagou ela, surpresa.

- Demonstrar que se importa comigo. Não sabe como isso é importante.

Maria Amélia abriu a boca para falar alguma coisa, mas apenas sorriu.

- Medalha recebida - redarguiu, levando a mão ao coração.

- [29-05-2020]