Mais uma noite
Acho que tomei gosto por caminhar. A sensação de estar somente com a roupa do corpo, de não pertencer a nada e a ninguém é algo que me agrada e chego a pensar inclusive que todo mundo deveria ter essa sensação periodicamente.
Não estou aqui repreendendo de alguma forma aqueles que levam seus aparelhos ultra modernos que contam as calorias, a quantidade de passos e até o batimento cardíaco. Cada um leva o que lhe convém. Eu levo meus pensamentos. E isso já me basta.
Cheguei a conclusão que a praça a dois quilômetros de casa estava ficando perto demais, e que portanto deveria achar outro lugar pra servir de referência. Encontrei outra. Dessa vez a quase três quilômetros. É perfeita.
Vesti o primeiro tênis que achei jogado, um short preto, coloquei uma blusa por cima e parti.
Já era noite, mas não suficiente para as ruas estarem vazias. O tráfego ainda estava um pouco carregado, mas não suficiente para se ver filas de carros parados no farol. Era um dia normal. Uma noite normal. Nada de importante estava acontecendo ali.
Assim que tomei a calçada, vi duas senhoras de meia idade, com roupas apertadas de academia andando a passos rápidos. Uma delas usava um boné azul, que me causou certa estranheza pois não via nenhum raio de Sol. Cogitei perguntar as horas a ela, mas minha timidez veio a tona. Deixa pra lá.
Andei mais um pouco e enquanto pensava na letra de uma música do Chico Buarque, avistei dois garotos correndo atrás de um cachorro. Um deles gritava, ordenando ao cachorro que parasse. O cachorro obviamente não entendia uma palavra sequer, e corria tal como um detento que acabara de fugir da prisão. Olhei, cocei a cabeça com minha mão esquerda e segui. Torço para que tenham alcançado.
Cheguei na praça. Era mais escura do que havia imaginado. Não tinha mais do que 3 ou 4 postes de luz. Umas poucas pessoas davam a cara por ali, então achei melhor dar meia-volta e partir pra casa, enquanto cantarolava mentalmente a música vai passar.
“Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar”
Voltei pelo mesmo caminho da ida. E dessa vez não vi crianças, nem mulheres. Vi apenas a rua, em sua versão mais solitária: sem humanos, sem cachorros, sem vida e sem luz. Apenas carros e motos e fios e muros. Impressionante como tem muro por aqui.
Me peguei pensando em qual avenida teria passado Chico pra escrever a letra de “Vai passar”. Difícil saber. Depois de um tempo andando por aí você logo percebe que as ruas são todas iguais. Muda uma coisa aqui, outra acolá. Mas é tudo concreto e paralelepípedo.
Sinto que as vezes a gente se esquece que ela foi feita pra andar. Tão simples quanto isso. Você pode fazer enquanto pensa no jantar, ou naquele problema que te pegou despreparado as quatro da tarde de uma terça-feira modorrenta. Ou até mesmo com um boné. Mesmo que não haja Sol algum. Pode ser com uma companhia humana, ou com um cachorro. Também pode ser com você mesmo. Não existe regra pra isso.