O conto e o prefácio
Pedi, há um mês, para um amigo meu um prefácio para um conto que escrevi. Antes não lhe tivesse pedido. Ele dissecou o conto, cortou-o em fatias, e o resumiu. Antes de publicar o conto, detive-me, e perguntei-me porque eu o publicaria, se o prefácio apresenta, em síntese, toda a sua trama. Eu repetiria, com a publicação do conto, o que está no prefácio, e o leitor ao lê-los esbravejaria: “Maldito sejas, Sergio! Li duas vezes a mesma história. Tu me fizeste perder o meu tempo. Vá para o inferno. Tenho mais o que fazer, imbecil!”. E eu teria de dar-lhe razão, e calar-me, e reconhecer a minha insensatez. E eu me perguntei uma vez mais porque eu publicaria o conto, se o conto conta o que o prefácio já contou. E decidi publicar apenas o prefácio que para o meu conto o meu amigo escreveu. Decidido, então, a publicar apenas o prefácio que o meu amigo escreveu para o meu conto, perguntei-me se o conto poderia, um dia, se encontrado por alguém, vir a ser publicado; e decidi, sem pensar duas vezes, queimá-lo, e queimei-o. Queimado o meu conto, nenhum risco existe de ele vir a ser publicado. E perguntei-me, não muito tempo depois, se eu publicaria o prefácio que para o meu conto, que eu queimara, meu amigo escreveu. Sim, eu o publicaria. E para mim justifiquei a minha decisão, que para o leitor é, presumo, uma insensatez: Prometi ao meu amigo – o autor do prefácio – que eu publicaria o prefácio que lhe pedi para o meu conto. Ele o escreveu. E eu, para não faltar com a promessa que lhe fiz e não perder o amigo, o publicaria. E prometi-me nunca mais pedir para um amigo meu, ou para qualquer outra pessoa, um prefácio para um conto meu. Eu escreverei um prefácio para os meus contos. Aliás, um prefácio para qualquer conto meu eu jamais escreverei. E se eu, no prefácio, incorrer em atitude similar à do meu amigo que escreveu para um conto meu um prefácio, e tiver de, repetindo no prefácio a trama do conto, abandonar o conto? Prefiro não arriscar. E o meu amigo, o prefaciador, perguntou-me, há uma hora, do meu conto, e eu lhe disse que eu o queimara, e ele, horrorizado ao ouvir-me, exigiu-me explicações. Dei-lhas; e ele disse que, como o meu conto não seria publicado, ele não permitiria que eu publicasse o prefácio que ele escreveu para o meu conto. E discutimos. E assim que se acalmou, meu amigo pediu-me o prefácio que me havia escrito, para relê-lo. Dei-lho. E ele, para a minha surpresa, correu, e tirou do bolso da camisa uma caixa de fósforos, e ateou fogo às folhas com o prefácio. Assim que me dei conta do que se passava, as chamas já haviam consumido todas as folhas. E queimados o meu conto e o prefácio que o meu amigo escreveu para o meu conto, a humanidade – triste humanidade! – jamais terá o prazer de ler o meu conto e o prefácio que para ele escreveu o meu amigo.