A tecla shower

A tecla shower

Alexandre Santos(*)

Ivan Santos era um homem de grandes ideias. Talvez se achar mais inteligente ou, quem sabe, mais preparado, ainda criança, dizia aos amigos que, um dia, seria prefeito de Paulista, município berço da indústria têxtil de Pernambuco, na área metropolitana do Recife.

O tempo passou e, tão logo, atingiu a adolescência, começou a trabalhar duro. De raciocínio rápido, enveredou pelos meandros do comércio e, sabendo comprar e vender como ninguém, esticando o lucro ao máximo, de negócio em negócio, logo, amealhou uma pequena fortuna. “Todo dia um besta e um esperto saem de casa. Os grandes negócios acontecem quando eles se encontram”, repetia Ivan ao relatar os grandes negócios que fazia quase que diariamente.

Mas, crescer nos negócios não bastava para Ivan. Ele queria, mesmo, era ser prefeito da cidade. Não tardou, sem abandonar a faina no comércio, ele se filiou a um partido político e, sempre exercendo a liderança nata que o caracterizava, em pouco tempo assumiu a presidência municipal da legenda. Foi um momento de glória. Como ficou satisfeito quando o presidente estadual da agremiação disse ser ele o candidato natural do partido à prefeitura.

E, aí, de cada negócio, Ivan fez um pequeno palanque, transformando clientes em eleitores e, diga-se de passagem, vice-versa.

Ao cabo de dois meses, de conversa em conversa, Ivan já alinhavara uma consistente plataforma eleitoral. Tinha solução para todos os males da cidade. Na saúde, criaria um serviço de urgência para acolher os doentes; na segurança, faria um convênio com a polícia estadual para ampliar a vigilância; na educação, criaria escolas e creches nos bairros mais pobres; e, assim, por diante. Embora tivesse propostas para todas as áreas, a que mais o entusiasmava era a criação do Distrito Industrial do Futuro, uma área destinada a acolher indústrias de alta tecnologia.

E foi cheio de ideias que Ivan viajou para São Paulo para participar da primeira convenção nacional do partido. Entusiasmado, não cansava de compartilhar os pontos da plataforma com os colegas e correligionários. Não foi sem razão que, ainda nas primeiras horas de convivência, com uma pitada de sarcasmo e ironia, Ivan já era referido por todos como ‘o prefeito do Distrito Industrial’.

Mas, Ivan não ligava. Fingindo não ver que, a despeito do caráter cosmopolita que aparenta, os paulistas zombavam dos nordestinos, prontamente identificados pelo sotaque e pelo jeito de ser. Ivan estava acima daquelas coisas e - contrastando com o restante da delegação pernambucana, que, sem parar de reclamar do frio enregelante, não escondia o incômodo com o tratamento pejorativo - pouco ligava quando era chamado de ‘Paraíba’.

Mas, a realidade o fez mudar de humor. De fato, ainda no primeiro dia na capital paulista, depois de um breve desaparecimento, Ivan surgiu todo sorridente na recepção do hotel. Estava exultante.

- Acabei de fazer um grande negócio – ele não parava de repetir e, sem parar de sorrir, contou a proeza.

Enquanto a maioria aproveitava tempinho livre até a retomada da programação da convenção partidária, programada para o começo da noite, sem qualquer preocupação em colocar uma roupa mais quente ou, pelo menos, guardar o boné que o identificava como torcedor do Santa Cruz Futebol Clube, foi às ruas para, em seu dizer, “identificar alguma oportunidade de negócio”. E, conforme esperado, logo identificou.

- Encontrei um ‘argentino besta’, bem ali, no passeio do viaduto Santa Efigênia, Um besta com cara de menino chorão que, sem saber com quem estava falando, me disse que estava precisado de dinheiro. Tão precisado que estava vendendo seu telefone celular por R$ 900 reais – Ivan sorriu e continuou o relato, dizendo que, nas lojas, um telefone daqueles não era vendido pelo menos do que o dobro daquele valor. E, depois de repetir que os grandes negócios acontecem quando e os bobos e os espertos se encontram, Ivan contou como foi a longa negociação que fez o argentino aceitar se desfazer do telefone ultramoderno pela bagatela de R$ 120. E Ivan sorriu.

- Mas, Ivan, você roubou o homem – alguns criticaram.

- Isso chama-se negócio – ensinou Ivan, dando umas palmadinhas no pacote que embrulhava o telefone de R$ 1.800s que comprara por apenas R$ 120.

- Então abra logo este pacote, pra gente ver essa preciosidade.

E, como bom vendedor, fazendo todo suspense possível, valorizando cada gesto, desfazendo o pacote como se no papel do embrulho estivesse desenhado um mapa precioso ou escrito o testamento de um parente rico, Ivan deixou que a curiosidade tomasse conta de todos. Pouco a pouco foi surgindo a caixa e, finalmente,... da caixa saiu uma barra de sabão cortada no formato do telefone que Ivan imaginava ter comprado.

Explodiu uma gargalhada geral.

- Fui roubado. Aquele filho da puta me roubou.- Ivan explodiu.

- Essa é maravilha tecnológica que você comprou? – provocou um.

- Fique calmo, Ivan. Provavelmente este aparelho é tão moderno que serve até para tomar banho. Por engano, você deve ter acionado a tecla shower e, se conseguir desfazer a operação, ele volta a ser telefone... – gargalhou outro.

No dia seguinte, correu a brincadeira de que, na véspera, já dando os primeiros passos para a instalação do Distrito Industrial do Futuro, Ivan teria mantido contato com empresários argentinos interessados em instalar empresas de telefonia. Outros disseram que, interessada em diversificar a linha de sabonetes, a Gessy-Lever tinha procurado Ivan para negociar a instalação de uma fábrica de telefones celulares em Paulista.

Depois de um tempo chateado, especialmente pelo insucesso da caçada que fez ao ‘ladrão argentino’ na região do Viaduto de Santa Efigênia, Ivan recobrou o bom humor e só voltou a irritar ao final da tarde, quando, desafiando o frio de agosto, vestido apenas com uma bermuda e uma camisa do Santa Cruz, saiu para conhecer a cidade e, na Praça da Sé, ouviu a proposta.

- Oh Paraíba. Quer comprar umas meias térmicas?

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural