Na Sarjeta
Hoje é sexta-feira, uma sexta-feira dolorosa. A lua está cheia no céu. Num outro dia eu acharia ela linda, mas hoje nada tem graça para mim. Enquanto caminho pela rua o vento da noite me toca e eu coloco as mãos no bolso, como se isso fosse me proteger.
Entro no bar e sento no banco, colocando os cotovelos no balcão. Não tem muita gente aqui, apenas um casal do lado de fora. O dono do bar se aproxima.
— O que você vai querer, chefe?
— Uma cerveja.
Ele abre a garrafa de cerveja e me serve sem dizer nada, apenas com um sorriso no rosto.
Não me sinto muito bem, há três dias que não durmo direito, desde que ela me deixou. Ainda estou digerindo aquilo, depois de cinco anos de namoro, ela vem e diz que nosso relacionamento não estava dando certo, que era melhor terminarmos. Porque ela fez isso tão de repente? Será porque eu perdi meu emprego?
Vejo o casal na porta do bar e me lembro de quando ainda estávamos juntos, eu e Sandra. Ela tão bonita com seu cabelo curto, pretinho, seus olhos castanhos, sua boca carnuda sorrindo pra mim. Eu amava tanto aquela mulher. Na verdade ainda amo. O que ela estará fazendo agora, enquanto eu sofro aqui neste bar?
Estou tão mergulhado em meus pensamentos que quase não noto um homem que chega e se senta ao meu lado.
— O que você vai querer, chefe? — pergunta o dono do bar.
— Uma cerveja bem gelada. — diz o homem ao meu lado.
O dono do bar o serve, sem dizer nenhuma palavra.
— Uma noite de sexta-feira pede uma cerveja gelada. — diz o homem para mim após bebericar seu copo.
— É verdade. — respondo só por responder, não quero conversar com ninguém.
— Como você se chama? — ele insiste na conversa.
— Ronaldo.
— Prazer, eu sou o Pereira. — diz me estendendo a mão.
Pego na mão dele, e embora eu não aperte com muita força, seu cumprimento é firme.
— Você está meio abatido, não está com uma cara muito boa — diz Pereira.
— Não estou muito bem mesmo não. Alguns problemas aí. — respondo tentando me esquivar da conversa.
— O que foi, meu amigo? Pode falar comigo.
Não quero conversar com ninguém, esse cara vem se intrometendo na minha vida, mas já que estou aqui, frente a frente com ele, não posso ignorá-lo.
— Minha namorada terminou comigo. — digo, quase sussurrando.
— Eu sabia que tinha mulher envolvida nisso, pela sua cara.
Respondo apenas balançando minha cabeça, após beber um pouco de cerveja.
— O que aconteceu? Ela arrumou outro cara?
Como ele pode falar isso? Não tinha pensado nisso ainda, minha Sandra com outro cara. Acho que ainda é cedo pra isso.
— Não sei se tem outro cara no meio. Ela apenas terminou comigo do nada.
— Você é novo, arruma outra. Quantos anos você tem?
— Vinte e seis. Namorávamos há cinco anos.
— Alguma coisa deve ter acontecido. Ela terminou do nada mesmo?
— Não sei. Foi alguns dias depois de eu ser mandado embora do meu emprego.
— Mulher é assim mesmo, é bicho interesseiro, você cai na vida e logo elas te dão um pé na bunda.
Não consigo pensar assim de Sandra. Ela sempre foi tão boa comigo, esse cara está me ofendendo ao falar mal dela.
— Mas não faz mal. — diz Pereira enchendo meu copo com cerveja de sua garrafa— Hoje é sexta-feira e eu conheço um lugar bom pra gente ir. Você vai se esquecer dessa mulher que te abandonou.
— Hoje não. Só quero tomar minha cerveja e voltar para casa.
— Não me venha com um não. Você vai gostar, lá tem cada mulher, pra todos os gostos, e elas não vão te dar um pé na bunda.
— Não quero saber de outra mulher. Só quero saber de Sandrinha.
— A Sandrinha que te largou? Vamos lá, lá tem cerveja, nós acabamos nossa rodada por lá, e quanto às mulheres, se você não quiser, fica só nas cervejas.
— Não sei não, tô desanimado.
— Para com isso, se anime garoto, vamos lá comigo que você não vai se arrepender.
— Tá legal, eu vou com você. — respondo meio que vencido pela insistência do homem.
Terminamos nossa cerveja, pagamos a conta e saímos. Pereira me mostra seu carro, um Gol preto. Entramos e ele dá partida. Pela janela eu vejo as pessoas na rua, procurando diversão. O que Sandra estará fazendo agora, estará em casa ou na rua também atrás de um divertimento? É doloroso pra mim pensar nessas coisas, mas nesses últimos dias é só nela que penso, na minha Sandrinha. Sim, ela ainda é minha, mesmo estando longe de mim.
Pereira roda por alguns quarteirões. Enquanto dirige fala algumas coisas que não presto atenção. Ele não diz nada de importante, e eu estou mais ocupado pensando em Sandra.
Após rodar pela cidade, o carro para em frente uma casa grande, de dois andares.
— Embaixo fica a música e as bebidas, em cima ficam os quartos. — diz Pereira apontando para a casa enquanto saímos do carro.
Há outros carros parados em frente a casa, lá dentro a música está alta, um sertanejo universitário que se pode ouvir da rua. Caminhamos até a entrada e entramos pela porta que já está aberta. É um grande cômodo. Várias mesas, alguns homens sentados bebendo enquanto conversam com as mulheres, num canto um balcão, onde são vendidas as bebidas, num outro canto a máquina de música onde os homens colocam moedas e escolhem a canção.
— Eu vou te apresentar uma mulher — fala Pereira olhando para os lados como que procurando alguém.
Então ele encontra a pessoa e acena. Uma mulher olha para ele e atende seu chamado, ela vem vindo lentamente em nossa direção. A mulher tem cabelos curtos pretos, olhos castanhos e lábios carnudos. Me lembro na mesma hora de Sandra. Como essa mulher me lembra ela.
Pereira nos apresenta, ela se chama Kelly.
— Cuide bem do meu amigo, Kelly, eu vou dar uma volta por aí— diz Pereira deixando-me a sós com a moça e indo em direção a uma mesa.
Kelly começa a me fazer perguntas, querendo saber sobre mim, eu respondo mas estou ali apenas fisicamente, minha cabeça está em outro lugar, pensando em Sandra. Aquela mulher me faz lembrar ela, com esse cabelo curto pretinho, é impossível não pensar em Sandrinha.
Não sei quanto tempo ficamos ali parados naquela conversa. Kelly nota que meus olhos estão úmidos, pergunta se estou bem. Digo que não é nada, que é só um cisco que caiu em minha vista.
O que a minha Sandrinha estaria fazendo agora? E se eu ligasse para ela?
Kelly diz que precisa ir ao banheiro, mas que quando voltar quer subir comigo para conversarmos melhor num quarto. Ela vira de costas e vai, então noto seu corte de cabelo que deixa à mostra a nuca, igual ao corte de Sandra. Eu não vou conseguir ficar aqui, essa mulher está me fazendo lembrar demais de Sandrinha. O que Sandra pensaria se me visse numa casa dessas, conversando com uma garota de programa? Não ia gostar.
É melhor aproveitar enquanto Kelly foi ao banheiro. Pereira está numa mesa conversando com algumas pessoas, se esqueceu de mim. É melhor eu fugir agora, é o momento certo. Dou meia volta e vou em direção à porta em passos rápidos. Quando dou por mim já estou na rua a caminho de casa com uma única pessoa em meus pensamentos: Sandra.