Conto das terças-feiras - Causos da Dona Zefa – 2 - O Papagaio Picolino

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 26 de maio de 2020

Depois de terem assistido a um espetáculo circense, entraram rompendo à lona, três garotos Wilton, Sérgio e Mário deixaram o circo super satisfeito, era a primeira vez. No retorno de casa encontraram um filhote de papagaio que parecia ter caído de um ninho. Ainda com poucas penas a ave não se machucara. Wilton pegou-a cuidadosamente em suas mãos e perguntou aos outros quem gostaria de criá-lo. Os dois recusaram a oferta, alegando que suas mães não gostavam de pássaros em casa pela sujeira que faziam. Eles procuraram de onde a avezinha caíra, não tiveram sucesso. O garoto que já estava com ela em suas mãos falou — Então eu levarei para casa, acho que minha mãe não vai se preocupar. Vou cuidar bem dele.

Foi o que aconteceu, o garoto chegou em casa, procurou uma caixa de sapatos, forrou com jornal velho, colocou o psitacídeo dentro e arrastou-a para baixo de sua cama, antes preparara uma pasta de farinha de milho e introduzira goela abaixo da achada ave. O pássaro parecia com muita fome, até se engasgou, mas o garoto lhe deu água com uma velha seringa que estava guardada em sua caixa de sucatas.

No outro dia o filhote de papagaio foi notado pela mãe de Wilton ao tentar varrer debaixo de sua cama. Esperou que o garoto voltasse da escola e falou-lhe para deixar aquilo onde havia encontrado. Depois das explicações de como ele viera parar ali, a mãe, com dó do papagainho, deixou que o filho o criasse, com uma condição – que ele cuidasse de verdade, da comida à limpeza. Satisfeito correu a preparar uma melhor acomodação para o seu novo amiguinho.

Os meses passaram e o papagaio de bico negro com detalhe laranja, portanto macho, agora chamado Picolino, em homenagem ao engraçado palhaço do Circo Nerino, que lhe dera a oportunidade de assistir, pela primeira vez, embora de forma fraudulenta, um palhaço de verdade. A ave aprendeu a falar, a cantar, chamar as pessoas pelo nome e reproduzir sons e palavras repetidas pelos de casa. Também assobiava, principalmente quando a namorada do irmão mais novo passava, chegando a ficar todo arrepiado.

Com a ida de Wilton para estudar no Rio de Janeiro o papagaio ficou aos cuidados do pai e o louro não gostava dele. Era só o homem se aproximar, a ave parava o que estava fazendo, encolhia-se no canto de seu poleiro, retornando às suas atividades de cantar, falar e assoviar só depois que o dito se afastava. Às vezes ela chegava a bicá-lo no momento da chegada para alimentá-lo. Nessas horas ele gritava pelo Wilton, imitando a voz de Dona Zefa.

O psitacídeo tinha plena liberdade dentro de casa, não fora criado em gaiola, mas solto e dormindo em um poleiro, afixado na parede externa da cozinha, protegido por uma cobertura de telha. Ao descer pela manhã, por uma corda que chegava até ao chão, ele ia direto onde sabia estar a sua refeição matinal, banana, mamão, uns grãos de milho cozido e água. Depois saía inspecionando a casa, encontrando qualquer sujeira ou algo fora do lugar, gritava – Dalvina, Dalvina, - era a empregada de Dona Zefa. Gostava de brincar de pique-esconde, ele baixava a cabeça e contava até cinco, depois procurava os escondidos, achando um por um. Certo dia uma garota da casa vizinha, participando da brincadeira se escondeu atrás da porta de um quarto, a porta fora colocada quatro centímetros do chão e os dedos do pé da garota ficaram de fora, a ave deu-lhe uma bicada que arrancou a unha do dedão esquerdo. Depois, pulando, disparou em risadas.

Depois de quinze anos, Wilton voltou para passar férias em casa de sua mãe. Encontrou Picolino bastante crescido e falante que, ao ouvir a voz do amiguinho de outrora começou a cantar e a chamá-lo pelo nome – Wilton, Wilton, fecha a porta, expressão que Dona Zefa gritava para o filho quando esse saía para a escola. Ao ser reconhecido, o rapaz começou a chorar, no que foi acompanhado pelo papagaio, não em imitação, mas por sentimento. Foram dez dias de refazimento da amizade, Picolino era só satisfação, cantava, dançava, ria, gritava, pulava, irradiando alegria por toda a casa. Essa alegria durou pouco, finda as férias, o amigo voltou para o Rio de Janeiro, o papagaio passou a sofrer de ansiedade, de tristeza, entrando em estado de autodestruição. Não queria se alimentar, agitava as asas com frequência, gritava constantemente, apresentava conduta repetitiva sem sentido, arrancava suas plumas coloridas como ato de autoflagelação, indo, como consequência ao desplume e à morte. Como isso aconteceu repentinamente, ninguém da casa notara a mudança no pássaro. Quem mais sentiu a sua morte foi a Dona Zefa, que vivia praticamente sozinha em casa com o louro, por não mais contar com os sons e a alegria do Picolino.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 26/05/2020
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