Fevereiro de 2020
Encontrei minha tia-avó Emma sentada na cadeira em frente à janela que dava para o jardim, olhar perdido nas copas das árvores lá fora. Era verão, mas a temperatura estava agradável dentro do velho casarão.
- Olá, tia! - Saudei, antes de tocar-lhe no ombro.
- Kyle? - Ela indagou, franzindo a testa ao olhar para mim.
- Douglas, tia - sentei-me na cadeira ao lado dela.
Tia Emma continuou a me encarar, com um olhar aturdido.
- Onde está Kyle?
Kyle, o filho único dela, havia morrido em 2020, mas para tia Emma, isso talvez não houvesse ainda acontecido. Deus sabe em que época a mente dela estaria vagando agora.
- Tio Kyle... ele não pôde vir, tia - repliquei, entrelaçando as mãos no colo.
- E quem é você? - Inquiriu ela.
- Eu sou Douglas, seu sobrinho-neto - falei, suavemente.
- Você é neto da Laura?
Pelo menos, ela ainda se lembrava de que tivera uma irmã, a minha avó.
- Sim, sou neto da Laura.
Tia Emma abanou a cabeça branca, incrédula.
- Mas o neto da Laura ainda é um bebê!
- Eu sou o neto da Laura, tia. Cresci - assegurei.
Ela balançou a cabeça, aparentemente conformada com a informação.
- Você parece o Kyle.
Eu não tinha muitas lembranças do meu tio, que morrera quando eu tinha seis anos de idade, mas todos que o haviam conhecido me diziam isso.
- Não dá para negar que somos da mesma família - repliquei com um sorriso.
- Em fevereiro, Kyle me levou a Dover - ela me disse, muito séria.
- Dover é um belo lugar - assenti. - Os rochedos brancos, o Canal...
- Isso foi antes da epidemia, você lembra?
Eu tinha apenas uma vaga recordação daquela época, mas fiz um gesto de concordância.
- Acho que a vida era diferente - respondi.
- Morreu muita gente, você lembra?
Disso, eu me lembrava. E então, uma sombra cobriu o rosto dela.
- Kyle morreu.
Parou de falar, e ficou me encarando, com um olhar vazio.
- Tia? - Perguntei baixinho.
Sem me dar atenção, ela virou o corpo e voltou a encarar as árvores lá fora, sobre as quais brilhava um sol de verão num céu azul sem nuvens.
- [23-05-2020]