Constance

Constance observava o marido escrever uma carta. Ele havia deixado a mesa do jantar preocupado, mas não quis contar nada a ela. Na certa eram os negócios. Como era verão foi até a varanda. Andou de um lado para o outro, depois se sentou, e permaneceu ali por algum tempo. Levantou -se novamente e espiou pela janela que dava para o escritório. O marido ainda escrevia. A casa era grande, não tinham filhos. Constance sempre esperava por ele para se recolherem.

Naquela noite não ousou perturbá-lo. O calor a deixava agitada, entrou, procurou o leque, encontrou o sobre o aparador. Então desastradamente tropeçou no canapé. Ficou furiosa consigo mesma, não queria fazer barulho. Saiu novamente para a varanda. Recostou-se sobre o parapeito. Pensou na irmã na fazenda. Gostaria que ela viesse lhe fazer companhia.

Ouviu barulho de rodas sobre as pedras da rua. Ficou curiosa. A carruagem parou defronte a casa dos vizinhos. Desejou receber visitas. Ouviu vozes alteradas. Dessa vez entrou, e foi contar ao marido. Ao falar lhe, este levantou os olhos por sobre os óculos. Contou então que havia gente na casa ao lado e parecia haver discussão. Ele deu de ombros. Estranhou a reação do marido que continuou escrevendo. Quando regressou a varanda, já haviam partido. Ficou ensimesmada durante uma meia hora, até que o marido a chamou para dentro. Fechou a casa, apagou as luzes, subiu aos aposentos. Nenhuma palavra do marido.

Pela manhã, ao sentarem a mesa do café, observou o marido disposto, falante. Então alegrou -se também. O marido partiu em direção a livraria de sua propriedade. Passou a manhã cantarolando, organizando a casa e resolveu fazer um guisado. Quando estava refogando a cebola, escutou um chamado no portão. Atravessou a sala e foi até a porta espiar. Viu que era a vizinha e fez sinal que esperasse. Correu a cozinha, remexeu a cebola que já ia queimando. Retirou a panela da trempe do fogão a lenha e voltou para atender a vizinha. Desceu rapidamente as escadas e tropeçou no último degrau, mas equilibrou se rapidamente. Queria perguntor sobre as visitas da noite anterior, mas a vizinha não lhe deu tempo e foi logo tagarelando. Queria um molho de couve de sua horta. Foram então para o quintal no fundo da casa. Enquanto a outra falava, ela pensava no almoço que tinha de preparar. Só que Nicota, a vizinha, não tinha pressa de ir embora.

Finalmente, quando chegou ao portão conseguiu perguntar sobre as visitas. Nicota contou que não era visita e sim o senhorio que viera cobrar o aluguel atrasado há quase dois meses. Mas felizmente chegaram a um acordo e no fim da semana o marido quitaria a dívida. Constance sentiu alívio do aluguel da casa dela não estar atrasado, o senhorio era o mesmo. Contaria ao marido o ocorrido. Quase nunca tinha novidades a contar. Passou a tarde bordando. De vez em quando ia a varanda e espreitava a rua. No entanto, não viu nada diferente.

No fim da tarde, quase a hora do marido regressar ao lar, a dona da casa foi esperá-lo no portão. Assim que o viu surgir na esquina, notou que falava com alguém. Viu que era o vendedor de vassouras. Devia ter insistido muito, pois o marido colocou a mão no bolso e pagou pela vassoura. Alguns instantes e ele já estava na porta de casa. Entregou lhe a vassoura e disse estar faminto.

Depois de entrarem, ela disse que havia feito guisado para o almoço. E ele contou que não pode vir almoçar porquê havia muitos clientes na livraria. Ela foi para a cozinha requentar o guisado. Nesse dia, jantaram mais cedo que de costume. E quando já ia se sentar para contar ao marido sobre o senhorio, ele se desculpou dizendo que iria para o escritório analisar uns documentos.

Constance ressentiu-se com o marido. Queria conversar. Mas ele estava lá, sentado na escrivaninha, concentrado nos papéis. E ela como na noite anterior só o observando. Essa noite, porém, não estava tão calor quanto a outra, foi a varanda por simples curiosidade. Não viu ninguém dessa vez. E foram se recolher sem muita conversa.

De manhã, Constance não se alegrou, pelo contrário estava emburrada. O marido saiu atrasado para abrir a livraria. Ficou sentada esperando alguma novidade. Não tinha ânimo para arrumar a casa. Pensou em ir a casa da Nicota. Então se lembrou que esta não lhe dava chance de falar. E hoje não estava para ouvinte.

Decidiu que não cozinharia nesse dia. Talvez o marido não viesse novamente almoçar. E se viesse requentaria o guisado de ontem. Foi ao portão muitas vezes e não viu ninguém. E como supôs, o marido não veio para o almoço. Ficou enervada.

A tardinha quando o marido retornou a casa, Constance decidiu não dialogar com o marido. E este estranhando o comportamento dela, perguntou se estava doente. Ela negou com a cabeça; esperou então que ele fosse para o escritório, mas não o fez essa noite. Ficaram os dois sentados na sala, cada qual esperando o outro falar. Ninguém disse nada. Ela temia que ele arrumasse uma desculpa para não escutá-la. E permaneceu calada balançando os pés agitada.

Alguns minutos depois, finalmente, o marido perguntou como havia sido o dia dela. Constance se animou e já ia abrir a boca para contar quando bateram palmas no portão. Ela se levantou e foi até a porta. Não conseguiu distinguir quem era. Entrou, pegou o lampião e já ia descendo as escadas, quando o marido pediu que lhe passasse o lampião.

Ele desceu as escadas e a esposa veio logo atrás. Ergueu o lampião e viu o vizinho , o marido da Nicota. Queria lhe pedir um grande favor, que lhe emprestasse a quantia que faltava para pagar o aluguel. Pediu um instante, e consultou a esposa a um canto. Essa disse que queria lhe falar sobre o assunto, mas não teve oportunidade, os vizinhos estavam com dificuldades. Amanhã poderia ser eles. Então concordaram com o empréstimo.

Constance ficou feliz pela ajuda aos vizinhos e triste por não ter mais nenhuma novidade a contar ao marido. Perguntou então sobre o dia dele. E ele respondeu em duas palavras: – Muito bom ! E depois foram se recolher.

Na manhã seguinte colocou a mesa do café e foi para o quintal. O marido não foi se despedir. Constance passou a duvidar do amor do marido. Dezoito meses era o tempo de casados.

Decidiu que iria desabafar com Nicota. Assim que chegou a metade do jardim, avistou a vizinha no portão. Nicota sorria e pediu que Constance abrisse o portão. A vizinha trazia algo nas mãos, e entre sorrisos e agradecimentos entregou o que tinha em mãos. Era um bolo de fubá que fizera como agradecimento ao empréstimo.

Constance convidou Nicota a entrar, queria lhe falar, ou melhor desabafar. Mas foram surpreendidas com a chegada de outra vizinha. Convidou-a a entrar. E aí não teve chance. Nicota passou a matraquear com a outra vizinha.

Constance passou a imaginar que o marido encontrara outra e triste não foi ao portão esperá-lo. Planejou voltar a fazendo dos pais. Não suportaria a traição do marido.

Às onze horas ele chegou para o almoço e pediu desculpas por não ter se despedido de manhã. Havia negócios importantes o esperando, e a esposa imaginou ser a outra. O almoço foi servido e comeram em silêncio. O marido foi a varanda e pediu que ela o acompanhasse, sentou-se e não teve pressa em voltar ao trabalho. Então ele pede que ela se sente, deixando a muito preocupada. As pernas começaram a tremer. Sabia que algo errado estava acontecendo.

O marido procurou palavras, estava emocionado. Ela pediu que ele fosse logo ao assunto. Foi quando ele entregou a ela uma pasta de papel cartonado, lacrado com um selo. Ela perguntou o que era, e ele pediu que abrisse e lesse.

Abriu, leu, se levantou e com a mão tapando a boca, se vira e pergunta: – É nossaaa? Ao que ele responde: – Sim, é nossa ! Então se sentindo a mais feliz das criaturas, abraça o marido. Sentia se maravilhada. Toda aquela mudança de comportamento era uma surpresa. Ela nunca esperara que seria a dona daquela casa. Contaria a Nicota. E fariam uma festa para comemorar.