TIA FEIA - Capítulo 2 - No Velório

O enterro de tia Celeste foi na terça-feira pela manhã. Soube de sua morte na segunda à tarde. Tive, portanto, apenas algumas horas para desenvolver e escolher o meu material. O tempo era limitado, então selecionei apenas as perguntas mais relevantes para a investigação. Fui o primeiro a chegar, uma hora antes, acho, aproveitei para praticar e memorizar a sequência correta das perguntas, e ensaiava para parecer mais natural. A minha estratégia era apenas coletar o máximo de informações possíveis, e eu literalmente estava distante e ferozmente anotando tudo que era singular e significante para a minha pesquisa. Avaliando tudo, percebo que minha maneira impetuosa pode ter causado algum desconforto e estranheza, como quando perguntava:

- Descreva o que você está sentindo agora!

- Pergunta 16: Qual é o seu sentimento em relação a isso?

- Por que você acha tio Jorge está aparentemente mais triste?

- Pergunta 37: Qual era sua relação com o falecido... Quer dizer Tia Celeste?

Eu tinha mais algumas dezenas de perguntas para fazer, mas o viúvo, tio Rodrigo, me atrapalhou de maneira surpreendente. Tentarei explicar:

Os velórios, como a maioria das cerimonias, obedecem a uma espécie de roteiro. Nem sempre é tão rígido e determinado, depende muito do motivo da morte e do falecido, mas é certo que o discurso deva ser o ato final da cerimônia, aonde evocamos da memória os atributos do falecido, enaltecendo qualidades que nunca tiveram, forjando alguma moralidade, e encerrando quase que de maneira profética desejando descanso e paz. Vejamos nas artes, o último movimento é o mais esplêndido, o último verso do poema, a melodia que ascende e encerra de maneira magnifica ou o extraordinário movimento seguido de uma pose na dança. É a finalização que antecede e nos prepara para os aplausos. Não que para mim um velório seja um tipo de arte, mas a comparação serve neste caso.

Desrespeitando o roteiro, tio Rodrigo quebrou o protocolo, pois em alguns minutos, logo depois do caixão chegar, reuniu a família e fez o seu grande e último discurso. É a partir deste discurso que começa a perecer minha tese. As palavras de Tio Rodrigo me deslocaram da superfície e indiferença e me jogaram no centro espetáculo, e sem nenhum ensaio, assim como um defunto, eu congelei! Se antes, eu estava flutuando em águas mansas, o discurso me transportou ao dia do desentendimento, um local tempestuoso e perigoso. Por que havia brigado com Tia Celeste? O que ainda me atormentava?

Para entendermos tudo isso é necessário retrocedermos, e voltarmos um pouco. Começarei pela melhor parte, a parte mais fácil de entender, a morte, a morte de Tia Celeste.

Cristiano Oliveira Santos
Enviado por Cristiano Oliveira Santos em 19/05/2020
Código do texto: T6951577
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.