TIA FEIA - Capítulo 1 - Introdução

Antes de iniciarmos esta viagem é necessária uma introdução a respeito do meu método: o método que inventei para encontrar a boa-verdade. Esforço-me para mostrar como conduzir meu pensamento, porque de outro modo, seria como começar uma viagem já no meio do oceano, por isso, partirei raciocinando a respeito da sua concepção, pois nela estar ancorado a história que seguirá.

Como saber se a matéria que você leu no jornal representa a verdade? Qual investimento é o melhor? CDB, CDI? CD’s, DVD’s? O aquecimento global é uma fria? Direita ou Esquerda? Eu tive uma educação básica deficiente e rasa, pois desde a infância fui incentivado a apenas acreditar e repetir tudo que já se sabe. Quando adulto, não muito diferente, me apeguei a verdades absolutas e inquestionáveis, mas, muitas vezes, me encontrei equivocado e em completo engano. Percebi que eu era um amontoado de saberes, um edifício que foi projetado por vários arquitetos, onde, para um mesmo assunto há milhares de opiniões, muitas vezes, conflitantes. Mas a vida nos obriga a agir, e para agir bem é necessário saber bem. Mas, como eu sei que sei bem? Foi preciso estabelecer algum tipo de nível ou uma medida de excelência que o nosso pensamento poderia alcançar. A maneira que aprendi a adquirir conhecimento, imitação passiva, apenas busca volume e quantidade, portanto, o seu produto será sempre uma grande verdade medíocre. Se o conhecimento fosse um edifício a qualidade dele não estaria na quantidade de andares, mas sim nos seus fundamentos, em seus alicerces. Para esse nível de saber, mais aprofundado e concreto, eu dei o nome de boa-verdade, que é a verdade superior e mais elevada. Deste ponto já podes entender a minha definição de boa-verdade, mas como de fato a alcançá-la? Como se aproximar do conhecimento verdadeiro se equívocos e mentiras também podem estar nos livros, jornais e universidades? O que pode nos garantir a boa-verdade?

Como solução passei a ser protagonista e investigar por minha conta, tudo que me é incerto e curioso. Usar meu próprio intelecto para encontrar conhecimento e tomar minhas posições. Vale a observação, pois nem sempre se usa o próprio pensamento para tomar posição. Acredito que a nossa preguiça biológica nos faz usar muletas intelectuais. Pensar bem é tão cansativo quanto correr, por isso, delegamos esse “exercício” a alguém que acreditamos pensar melhor, uma autoridade, então tomamos emprestado da autoridade a sua opinião, e depois a temos como a nossa, sem conhecer o processo que a construiu. Mas embora confortável e às vezes acertada, a faculdade de usar essas muletas dominou todas as áreas e momentos das nossas vidas: Como consumir, se relacionar, votar e até mesmo quem amar é ordenado é orquestrado fora da nossa dimensão intelectual. Acho que em algum nível, terceirizamos o discernimento. Mas a qualidade de pensar não é o que nos torna diferente dos outros animais? Por que recusaríamos esse dom? Tomar posições usando autoridades de conhecimento às vezes é necessário, porém raso e intelectualmente atrofiante. Considerando isso, estabeleci a primeira regra do meu método de vida: As autoridades não seriam mais o Pastor, Miriam Leitão, Cortela ou Pedro Bial, mas sim o meu próprio bom senso, o meu intelecto.

Não virei um cético e passei a duvidar por duvidar de todo material científico. Aceitar todo conhecimento como falso seria arrogante e desinteressante. Também não é possível e nem conveniente compreendermos tudo sobre a vida. Por que seria útil saber sobre o princípio ativo da aspirina ou a anatomia de um coração? Para nada! Por isso, foi necessário direcionar minhas energias ao que seria a gênesis da boa-verdade. Escolher o mais elementar dos saberes e que talvez me conduzisse com melhor qualidade o pensamento de qualquer natureza. Decidir cruzar o mais tempestuoso dos oceanos: Descobrir a essência da natureza humana! Seria como encontrar a chave para o sentido da vida. Eu naveguei em todas as direções que me ajudassem a chegar à ilha da humanidade. O primeiro passo foi me introduzir a ciências humanas: sociologia, psicologia, antropologia, arte, literatura, linguagem e muitas outras que eu coloco em um bloco que chamo de humanologia. O segundo passo, que também é a segunda regra do meu método, é usar a inteligência a meu serviço, então de tudo que adquirir das outras ciências, começo a duvidar sistematicamente daquilo que não é claro e distinto. Com pouco tempo entendi que cada incerteza era fruto da distância entre mim e objeto de estudo. Cada ruído era provocado por lacunas que são as interpretações dos intermediários, por isso, foi necessário me aproximar, passei eu mesmo a realizar pesquisas, experiências e elaborei o meu próprio método de investigação. Para tentar responder as minhas questões coletei um volume grande informações, entretanto, sem conclusões, me percebi perdido e à deriva no caos que é a abstração humana. Tornei-me um naufrago, sem direção, apenas remando em um angustiante oceano sem horizonte.

Cheguei a duvidar se existia algo além do mar, fui salvo apenas quando me dei conta que deveria mergulhar e me aprofundar na alma humana e encontrar algo indubitável. Eu pensei: - Existi algo universal que guia e condiciona o comportamento de todos os humanos! Tentei o humor, a felicidade, o pessimismo, um mar de coisas para tentar achar essa bússola humana. Fui afundando e já quase sem folego descobrir o que seria de tudo o mais verdadeiro e inquestionável: Como a curiosidade é a lanterna da alma, a minha apontou para onde era mais escuro, apontou para a morte. A morte vive em todos nossos movimentos, em tudo que fazemos. Aí está a maior de todas as certezas, a própria morte. Ora, então determinei que ali deveria ser ancorado a boa-verdade.

Depressa passei a pesquisar tudo sobre rituais, mitos, costumes e filosofias que cercam a morte. Há um vasto material sobre o tema, mas eu precisava me aproximar do objeto de estudo. Queria participar de um velório in loco, mas, não é sempre que se tem essa oportunidade, e quando tive chance, não consegui colocar em prática minha investigação, pois sempre ficava bastante envolvido e distraído com minhas emoções durante o funeral. O outro dogma do meu método é rejeitar os sentimentos, pois eles atuam como miragens: agradam, contudo, nos enganam. Tive que durante algum tempo esperar o infeliz convite. Como um abutre que não caça para comer, apenas me limitei a aguardar, com vistas apenas da água e nada além do mar, com fome esperei!

Porém no último domingo, enfim, eu tive a oportunidade perfeita para colocar a minha investigação em prática. Estaria em campo, perto do objeto de análise, frio e distante para racionalizar o comportamento das pessoas enquanto em luto. A oportunidade era o enterro de tia Celeste. Quando tomei conhecimento de sua morte, ali mesmo entendi que era a oportunidade de avançar, entusiasmado eu gritei: - Terra à vista!

É desse ponto que finalmente começamos a entender do que pode se tratar essa história: Eu aproveitando o velório da minha tia para realizar um suposto estudo. Contudo a vida não é um mar de rosas, pois os ventos mudaram de direção. Algo alterou o meu plano e o distanciamento afetivo nunca ocorreu.

Embora pareça que comemoro a morte de alguém, não havia nenhum sentimento negativo direcionado a tia Celeste. Ser insensível a sua morte é só o reflexo da nossa relação, que foi rompida há pelo menos quarenta anos, quando brigamos. Prometo que contarei tudo e não deixarei nada em oculto. Talvez o prólogo e as considerações iniciais tenham lhe causado enjoo e desdém, mas asseguro-lhe que a sequência será mais rápida, fluída e talvez divertida. Eu dividirei a escrita em cinco ou seis capítulos, ou quantas vezes forem precisas, não tenha muita pressa! Lembro-te que a digestão começa na boca, na mastigação. Adianto-lhe que o que lhe contarei não se trata de morte ou funeral. Esqueça o defunto! No final notaremos que esta obra não se trata de nada do além, mas sim, terminará com a provocação filosófica mais clichê e repetida da história.

Cristiano Oliveira Santos
Enviado por Cristiano Oliveira Santos em 19/05/2020
Código do texto: T6951576
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