O primeiro abraço do mundo.
O dia já havia lambido o resto da última gota das tristes noites em que o mundo todo vivera enclausurado por conta de uma Pandemia causada por uma doença com nome estranho, mas que havia ceifado a vida de diversa gente que se era amada, cujo nome lhe dado, tecnicamente, foi de COVID-19.
Era dia. Plenamente dia.
Na TV, Lívia, assim como o restante do planeta, assistia ao noticiário mundial no qual se confirmava o fato de que os casos da doença haviam sido zerados em todo o mundo, bem como a injeção da imunidade àquela na última pessoa restante, graças à descoberta da vacina, após vários meses de intensa pesquisa, de inúmeros testes, dessas coisas típicas do meio científico, sobre as quais, aqui, não se discorrerá mais profundamente.
A verdade é que Lívia assistia aos choros silenciosos a tudo isso. 77 anos. Viúva. Asmática. Sobrevivente.
Tal reação, por conta disso, era inevitável; e mais: fazia meses que não via seu filho de forma pessoal, sentia falta do tato com ele, mesmo ele praticamente sendo o seu vizinho mais próximo; fazia meses que não saía de casa para sentar no banquinho rosado da praça florida que existia bem ali do outro lado da rua, em frente à sua casa; fazia meses que Lívia morava sob o mesmo teto da tristeza e da saudade. Mas, agora, era a hora de estas duas indesejadas visitas se retirarem. E partiram
Era dia!
Nessas alturas, a manhã já estava no seu ápice, o sol brilhava forte, mas não fazia arder a pele, era como se o dia estive cantando a felicidade que estava a repousar sobre a história. A emoção ainda era forte no interior de Lívia, chegava a pulsar, de tanto, até confundia Lívia como se fosse o seu próprio coração que estivesse a querer sair para comemorar. É que saudade é coisa que faz latejar demais o peito por dentro, e felicidade, o coração dançar.
Até que, então, ela decide ir lá fora. Precisava ver o dia, sentar no banquinho rosado, precisava sentir o calor suave do dia na sua frágil pele, como sempre fizera. Dentro de Lívia, uma alegria pulante... Uma vontade de dançar para dentro si e para fora corpo. Aquilo tudo era incapaz de ser descrito com alguma atitude ou com alguma palavra, era como se o sonho de há dias decidisse acordar e sair a passear pelas ruas...
De repente, o seu simples celular, ganhado antes de o caos no mundo se alastrar, começa a tocar. É seu filho. Romulo era apenas um pouco mais jovem que sua mãe. Companhia assídua antes de o caos no mundo chegar. Eles só tinham a si. Decidiu que não iria vê-la pessoalmente e que levaria tudo que ela precisasse e deixaria na porta de Lívia, enquanto a COVID-19 estivesse solta pela Terra.E, por isso, também estava a morrer de saudades.
Lívia atende trêmula, a ligação:
- MÃE! MÃE! É TEU FILHO. Falou com gritos emocionados.
- Eu sei, meu amor. Eu sei... Lívia responde com a voz embargada de emoção, não conseguindo falar mais nada, até que Rômulo reage:
- Vem, mãe! Estou cá na praça a te esperar. Quero te abraçar pra poder acabar com esse infelizmente dos dias, minha mãe. Falando, molhando as palavras com seu choro.
Lívia vai ao encontro do filho. Havia alguns corpos ainda pela rua a serem levados. Ao o vir, Lívia se apressa e lhe dá um abraço forte e demorado, desses com vontade de não largar. Era o primeiro abraço a que o mundo assistia silenciosamente. Era o primeiro abraço após uma triste pandemia que o mundo sentia e se dava.
Nesse abraço, nada se disse, mas tudo se falou. É que, na verdade, ali, não eram apenas Lívia e Rômulo quem se abraçava, era toda gente do mundo também feita com a mesma carne de amor e saudades. A partir daí, o mundo era abraços a se abraçarem.