185 -Quarentena
Acuado. Vai da varanda à janela do quarto e olha para a rua deserta, para o céu, para o relógio da sala que parece fazer arrastar o tempo e matar todas as ideias. Olha-se, esfrega as mãos e repete o gesto dos dedos nos cabelos. Sente uma raiva surda e está quase a explodir. Pega e larga o livro, escreve notas e parte a caneta, suja-se de tinta, pragueja. Está com vontade mas ninguém quer jogar e o baralho está incompleto. Repete baixo rezas vernáculas, pragas, uiva sem dar conta que o resto da família saiu para fora do seu alcance. Ele, que foi sempre cordial e afável, está agora susceptível, irritado, com a pálpebra esquerda a tremer. - Nunca mais se come nesta casa? Não reparou sequer que são onze horas de uma manhã para ele insuportável. Ninguém responde. Sente calor e faz saltar o botão da camisa. Transpira. – Acalma-te, pede a avó numa pausa do rendar, incomodada com o sofrimento dele. Ela é a que pode falar-lhe sem ter como resposta uma agressão de palavras e gestos obscenos. E ele senta-se, bebe o café que lhe trouxe a mulher, vai até ao quarto e despe-se. Chama-a. Deita-te agora comigo. Tens tempo de fazer o almoço.