Conto das terças-feiras – Teimosia
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 5 de maio de 2020
Marido e mulher, ambos idosos, acostumados a viajar de avião pelo Brasil, América do Sul, Central e Europa sem nunca terem perdido um voo sequer. Em viagem ao Rio de Janeiro passaram o maior perrengue. Hospedaram-se em Copacabana, hotel quatro estrelas, sem ostentação. Ficaram durante seis dias usufruindo das belezas do Rio, fazendo compras e assistindo algumas peças de teatro. A coisa pegou quando no sétimo dia o irmão da mulher veio apanhar o casal para levá-los ao aeroporto.
Era cedo, umas 17 horas, o irmão chegou e ficaram conversando um pouco. Já prontos todos desceram, fizeram o checkout e se dirigiram para o carro do cunhado. O veículo tomou a direção do bairro Botafogo e seguiu em frente. Em dado momento, percebendo que estavam se afastando do acesso ao Aeroporto Santos Dumont, o marido falou para o cunhado que ele havia tomado a direção errada.
— Não é para o Galeão que vocês vão? – perguntou com muita certeza.
— O marido informou que não, era para o Santos Dumont.
— Não, o caminho é esse mesmo, é para o Galeão, falou firme a esposa com a devida propriedade de quem estava certo.
— Então me mostre o bilhete, ponderou o marido.
Nessa hora a teimosia impera, a mulher que havia indicado ao irmão qual aeroporto era para ir, não cedeu, irredutível reafirmou a sua convicção e não mostrou os bilhetes. O homem não falou mais nada e o veículo seguiu a sua rota. Já passava das 18 horas, o trajeto tinha percursos de 25 km, e àquela hora, por causa do trânsito, levaria mais de 20 minutos. O check-in do voo estava marcado para as 19 horas, tinham tempo de sobra. Ao chegarem, o casal foi deixado na entrada do Aeroporto, antes houve a despedida, com o irmão dizendo que voltassem mais vezes.
Ato seguinte eles pegaram suas malas e se dirigiram para a fila do check-in. Como eram idosos foram logo atendidos, a surpresa deixou o homem com ar de vencedor. A moça da companhia de aviação informou aos dois que o voo deles era pelo Santos Dumont, e que não daria mais tempo chegar até lá.
— Há algum voo partindo daqui para Fortaleza, nesta noite? – perguntou o homem, desconfiado.
— Tem um voo para às 23 horas, mas não há indicação de vaga. Vou colocá-los em lista de espera.
Os nomes foram anotados e o casal se dirigiu a um restaurante para tomar café e comer alguma coisa. Antes eles tiveram que falar com uma pessoa da companhia, pois precisavam revalidar as passagens, já que o voo original fora dado como perdido.
A pessoa que os atendeu disse que teriam que pagar uma multa, quase 50% do valor das passagens. Os aeronautas estavam em greve e as companhias explorando seus clientes. O marido pediu para falar com a pessoa responsável naquela noite, alegando que não tinha mais dinheiro para pagar a multa. À chegada da responsável, o marido lhe falou:
— Senhora, somos dois idosos, é a primeira vez que estamos viajando de avião, comprei essas passagens com dificuldade, minha mulher queria conhecer o Rio e viemos comemorar o nosso aniversário de casamento, 40 anos.
Depois de muita insistência e caras de muita tristeza, a senhora deu-se por vencida e assinou a dispensa da multa. Uma mentirinha que não causa dano a ninguém, não cria embaraço. Só restava esperar e rezar que aparecessem as vagas pretendidas.
Do voo das 23 horas não desceu ninguém, não teve vaga. Os seguintes também e o casal passou 36 horas, na expectativa. A cada chegada de avião, tinham que ficar em fila de espera. Jantaram, fizeram graça para descontrair, almoçaram, fizeram suas necessidades fisiológicas, trocaram de roupa, dormiram sobre as malas e só saíram do Aeroporto do Galeão após conseguirem vaga em um voo para Brasília, sem a certeza de que teriam voo para Fortaleza naquele dia. Em determinado momento, com duas vagas garantidas, o casal as cedeu para duas mulheres, mãe e filha e mais uma criança de colo. Como os idosos, o trio já estava ali havia mais de 24 horas. Com esse ato, por certo imaginou o idoso, “compensou a pequena mentirinha pregada na gerente da Companhia de Aviação”. Esperaram mais 9 horas, chegaram ao destino às 20 horas, exaustos.