Biscoito de festa

Poucas semanas separavam para o início da primavera. O calor dos primeiros dias do mês de setembro prometia ser forte. Os poucos ventos soprando do lado leste anunciavam a umidade vinda do oceano. Alguns pássaros iniciavam o cântico da alegria. As abelhas, as borboletas, os insetos em geral iniciavam o longo e árduo trabalho de polinização das flores que aos poucos se abririam para mostrar as diversas cores da natureza. O sol da tarde era mais sufocante, pois o mês de agosto sempre foi constituído de queimadas, fumaças, baixa umidade do ar.

Dona Conceição, as filhas Terezinha e Nazaré, o vizinho Sílvio planejavam os preparativos para colocarem fogo no forno grande, assim chamado por elas. O forno grande é construído no quintal. De tamanho aproximando de quatro metros quadrados, feito de uma base de alicerce de pedras, revestido de tijolos e rebocado com massa de areia grossa e cal, tendo uma coberta de telhas chamadas de bica. Não era muito grande, mas cabia uma grande quantidade de formas feitas de latas de óleo de soja. Cortava-se as latas vazias de óleo de soja, amassava com martelo feito de madeira e moldavam as formas. Elas mediam em torno de quarenta centímetros por trinta centímetros.

Depois de tudo combinado, eles combinariam para iniciar as atividades por volta das cinco horas da manhã.

Ficava decidido que o Sr. Sílvio faria a limpeza do forno; catava a madeira que seria queimada para aquecê-lo, buscaria no campo os galhos de alecrim, dos quais eram feitas várias vassouras e bem amarradas em um cabo de vassoura, que seriam utilizadas para varrer as cinzas da madeira posta dentro do formo, mantendo uma alta temperatura para os assados.

Dona Conceição e as filhas ficavam encarregadas da confecção das massas. Compravam o polvilho, a farinha de trigo e o fermento. Os ovos e o leite eram trazidos do sítio do genro, que os entregava ao anoitecer.

Às quatro horas da manhã, elas já estavam preparando as massas. Dissolviam vários quilos de polvilho em uma bacia de alumínio. Sovava o polvilho por quinze minutos. Adicionavam ovos, leite, queijo e outras misturas. Elas eram muito espertas e às seis horas da manhã as primeiras latas de biscoitos já estavam totalmente cheias.

Silvio era um pouco vagaroso, mas esperto o suficiente para aquecer o forno, varrer e monitorar a temperatura, com as primeiras assadas de broa de queijo. Dizia que a broa de fubá com queijo era o melhor tempero do forno. Se ele assasse rapidamente, o forno estaria no ponto exato para os biscoitos.

Em um dado momento, a mesa da copa já estava cheia de biscoitos, biscoitos torrados, bolo caseiro bem amarelo e macio, pães de queijo feitos com ovos caipira e queijo curado há dois meses, biscoito de amendoim, rosquinhas de nata, rosquinhas de manteiga, rosquinhas salgadas e outras qualidades.

Após um rápido almoço, todos voltavam às atividades, pois a missão era fazer as deliciosas roscas. O neto de Dona Conceição já estava cansado de carregar latas cheias e latas vazias para que elas pudessem enchê-las novamente. As pernas doíam, mas as mãos estavam sempre cheias, ora comia biscoitinho, ora comia pão de queijo. Bebia muito água, pois o suor brotava no pequeno rosto de oito a nove anos. Calçado com uma sandália havaiana, uma camisa de malha, na cor vermelha, uma bermuda azul e um boné na cabeça do time do coração, o Atlético Mineiro, ele se esforçava, pois já estava no horário de ir para a escola, porém faltaria para ajudar no término dos biscoitos. A professora já sabia e esperava que ele levasse uma pequena bandeja para ela no final da tarde. Quando ele chegasse à casa dela, as atividades escolares ela lhe explicaria.

Com muito cuidado, a filha Terezinha fazia a massa das roscas. Tinha o ponto certo da receita. A medida certinha, pois se o fermento fosse pouco, as roscas não cresciam e seria uma grande decepção a todos. Cheia de maneiras, ela conduzia tranquilamente a bacia repleta de farinha de trigo. Adicionava os lindos e amarelos ovos da roça, colocava a manteiga, o açúcar, pedindo que a irmã Nazaré fosse adicionando pausadamente o leite. Breve a massa estava pronta. O cuidado ao enrolá-las era grande. Pacientemente, ela cantava as lindas canções de sua época. Sorria, brincava e até declamava um poeta de Castro Alves. Ela não tinha muito estudo, mas sempre lia livros de poesia. De vez em quando arriscava escrever alguns versos. Quando as roscas estavam todas enroladas, Nazaré aparecia com uma vasilha que continha gema de ovo. Cuidadosamente ela passava sobre as roscas. Logo em seguida, adicionava o açúcar refinado e canela moída.

A distração delas era interrompida com a voz de Sílvio, que lá de baixo dizia:

- O vento mudou a direção. Ele está soprando do lado da chuva. Já vejo algumas nuvens negras formando no alto do pasto do Antenor. Creio que em breve a chuva estará no chão. Andem bem rápido, pois se chover, ficará difícil. Eu estou com o corpo muito quente e caso venha chover, poderei me resfriar.

O silêncio era profundo. No alto da escada, pois o forno ficava bem abaixo da cozinha, elas desciam carregando as latas das belas roscas. O forno estava com a temperatura ideal. Rapidamente todas as roscas eram assadas e por fim finalizada a tarefa.

O vento soprava mais forte. Já não tinha mais nada perto ou dentro do forno. Sílvio corria rapidamente para a casa. Elas iam correndo para o tanque e já finalizavam a lavagem de todo o material: bacia, formas, colheres, latas, enfim, todo o material.

No telhado da casa, já ouviam os primeiros pingos da chuva. Sílvio, então dizia:

- Graças a Deus. Terminamos tudo antes da chuva. Agora pode chover à vontade. Vamos, pois, fazer a partilha de nosso trabalho.

As grandes latas vazias de banha já estavam na sala. Faziam a partilha rapidamente. Ficavam felizes. Nazaré coava um bule de café bem forte e todos sentavam nas cadeiras em volta do fogão à lenha. Tomavam café, comiam biscoitos, rosca, broa, enfim, jantavam antecipadamente. Sorriam, contavam casos e logo que a chuva passou, Sílvio ia embora levando consigo a parte. Dona Conceição partia com as filhas e logo o genro chegaria do sítio. Ele viria de charrete e levaria as latas para casa de cada uma delas.

Assim, a festa de setembro se aproximava. Eles, juntamente com as famílias, ficavam abastecidos das lindas e deliciosas quitandas. O café quente, a rosca caseira, o biscoito faziam parte das festividades. Todos iam às festividades e quando chegavam nos lares tomavam o café e comiam as quitandas.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 02/05/2020
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