178 - Quarentena
Habituamo-nos a tudo. Os primeiros catorze dias não permitiu que partilhássemos a nossa cama. Era um risco desnecessário, disse. Fiquei no sofá, encolhido, com a zona da mola partida a recriminar-me por não ter investido noutro como Dália queria. Acordava com a boca amarga, indisposto, provavelmente com mau hálito porque nem o gato queria intimidades. Aprendi a fazer o meu café. Errava as doses do granulado e, impaciente, não esperava que a água fervesse. Agora, afinado este e outros aspectos da vida no cerco, conformei-me com a ausência dos amigos, dos colegas e dela. Vejo-a passar para a cozinha, sinto-a a meter-se na cama com mil cuidados para não me acordar, evito olhá-la para não desencadear um azedume que lhe vem da situação, da idade, do facto de ter deixado de haver cabeleireiro, manicura, idas à modista. Sinto-me numa ilha e começo a apreciar o silêncio, a indiferença, o estar só onde me levam os pensamentos. Sexo? Só raras vezes se torna imperioso e, não, com ela não.