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Se não olhasse para o espelho poderia imaginar-se uma mulher bonita. Assim, com reflexos de si em todo o lado, era difícil não perceber as olheiras, fruto da insónia de ontem, a boca descorada, o branco do cabelo a expulsar o tom castanho dourado com que iludia o tempo. É, Mariana, vendo melhor, a maturidade sem apoio do salão de beleza deixa-te assim, avesso dos dias de tédio no conforto de tudo e em liberdade, comentou para si mesma observando os dentes, alisando as sobrancelhas, treinando o rosto para outra classificação que a não diminuísse. Há mais de um mês que, trancada em casa, via o sossego da rua, o jardim já selvagem, o carro imobilizado do outro lado. - Hoje não quero ver ninguém, gritou para quem lhe batia à porta. E não comeu nesse dia, nem viu o marido. Bebeu da torneira do lavatório, fumou à janela, esperou que a noite chegasse, despiu-se e chorou. Amanhã, se conseguir descansar hoje, estarei na mesma madura mas sem olheiras.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 28/04/2020
Reeditado em 28/04/2020
Código do texto: T6931400
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