Conto das terças-feiras – Ato humanitário
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 28 de abril de 2020
Fazendo faxina em uma de minhas gavetas, encontrei, entre não tão velhos papéis, pedido de uma amiga perguntando se eu conhecia alguma autoridade ou político que tivesse trânsito ou ligação com membros da Embaixada de Cuba. Ela estava tendo dificuldade em trazer seu filho menor de idade, para Fortaleza. Contratada para trabalhar no Brasil, sem pretensões de voltar ao seu país, precisava ter seu filho ao seu lado. Já fizera de tudo, mas todas as tentativas tinham sido em vão. Informei-lhe que, infelizmente, não conhecia ninguém.
Lembro-me que meus três netos estudavam no mesmo colégio, e que dois dias depois de ter recebido esse bilhete encontrei um político cearense, sentado comodamente em uma das poltronas do auditório do referido colégio, onde também estudavam seus dois filhos. Participávamos de uma confraternização entre professores, pais e alunos. Ao término do evento, enquanto esperava pelos meus netos, notei que ao lado do político havia uma poltrona vazia, isto é, ninguém ao seu lado. Rapidamente dirigi-me ao local, sentei-me e me apresentei ao citado cidadão. Contei a dramática história vivida pela amiga cubana. O senhor olhou-me demoradamente e falou:
— Amanhã viajarei para Brasília e na quarta-feira irei acompanhar o presidente em uma viagem para Havana. Diga para a sua amiga que mande os dados do garoto para o endereço de e-mail do meu gabinete, em Brasília.
Satisfeito com tão rápida decisão, arrisquei uma pergunta:
— O senhor acha que vai conseguir? Depois fiquei embaraçado pela ridícula pergunta.
— Não tenho tanta certeza, disse-me ele. Em seguida completou:
— Eu sou amigo do chanceler cubano, vou conversar com ele e dizer que é um pedido do presidente. É claro que falarei com o presidente antes, ele não vai me negar.
Agradeci e fui direto à casa da amiga, onde lá encontrei o seu esposo, também cubano. Informei-lhes sobre o meu contato com o político e sobre eles terem que enviar uma solicitação ao governo cubano, acompanhado dos dados do garoto, diretamente para o e-mail do contatado.
Pela manhã do dia seguinte o casal informou-me que alguém já havia recebido os documentos do filho e já repassara para as mãos do político. O seu secretário os havia informado que qualquer notícia faria o retorno para os pais.
— Acho que agora teremos sucesso, falou-me a amiga. Agradecemos a sua iniciativa e por se preocupar com a nossa angústia, completou a cubana, agora mais sorridente.
— Fiquei contente pelo seu entusiasmo e confiança. Espero que ele consiga falar com o chanceler e este interfira para que seu menino seja autorizado a viajar para junto de vocês.
Daí em diante não mantivemos mais contato. Era sigiloso falar sobre isso, principalmente por ela achar que estava sendo vigiada constantemente pelos outros cubanos que vieram trabalhar no mesmo local que ela.
Passadas duas semanas recebi uma ligação telefônica, do outro lado, explodindo de alegria e chorando, minha amiga informou-me que o garoto fora liberado a viajar e que estavam preparando os documentos para isso. No final daquele mês houve o desfecho desse drama, o garoto chegara, com saúde, alegre e bem disposto. Estava há quase quatro anos sem ver os pais.
— A satisfação estava estampada no rosto de Sebastian, nos abraçamos por longos minutos, eu chorava, o pai chorava e ele ria com vontade. No caminho observava tudo, parecia que estava em outro mundo, acrescentou a amiga, mãe do garoto.
Pouco tempo depois recebi um cartão-postal, da Europa, com a informação de que os três haviam conseguido asilo político, e que estavam muito bem. O casal até já havia conseguido emprego.
Essa é uma história de final feliz como o de muitas outras pessoas e famílias que, fugindo de seus países, encontraram guarida humanitária em lugares distantes dos seus.