SERTÃO CEARENSE
Capitulo 1
Maria tinha cinco anos quando aprendeu a fazer tarrafa, era uma tarde ensolarada e quente, o vento soprava pelas folhas de cajueiro fazendo-as farfalhar docilmente, um ou dois latidos eram ouvidos dos cachorros da vizinhança, ao longe se erguiam as serras imponentemente, a tipica musica dos chocalho dos rebanhos ecoava quebrando assim o silencio que havia entre as duas pessoas que se balançavam devagar enquanto a mais velha empunhava a agulha e a tabuleta , que ziguezagueava formando pequenas malhas e que mais tarde se formaria uma rede de pesca, comumente chamada de tarrafa, já a mais nova observava os repetidos movimentos de sua mãe, daquela que era o seu maior exemplo, passou-se por um grande silencio ate que a menina o quebrou com sua voz doce e tímida.
- Mãe ?
- Humm...
- A senhora me deixa fazer ?
- Ocê num sabe fazer.
-Sei sim. Por favor deixa eu tentar!
A mãe da criança se surpreende pela insistência da menina em querer fazer alguma coisa para ajudar ela, passa-lhe a tabuleta e a agulha e com muita paciência a auxilia e a ensina, ate que a menina consegue fazer só
.
A casa de Maria era bem simples como qualquer uma do interior do Ceara, feita de barro pisado, nela havia dois quartos nos quais um era utilizado pelos pais de Maria e no outro dormia ela e suas irmãs, o seus irmãos dormiam na sala, separando o dois quartos e a sala estava um corredor que levava para os fundos da casa, la situava-se a cozinha, a mesa onde se reuniam e um pequeno quartinho, na cozinha existia um forno e um fogão a lenha, uma pia e ao lado desta estava o pote de água encima de um galho de cajueiro, um armário de madeira encostado na parede repleto de utensílios de uso cotidiano e de panelas de barro, ao lado do fogão estava a lenha cuidadosamente arrumada, o pequeno quartinho servia como celeiro da família, nele estava as bolsas de juntar o milho e o feijão, as tarrafas estavam penduradas em um prego, as cabaças de buscar a água no rio se encontravam enfileiradas, os landoás recostados na parede aguardavam a noite sair para mais uma vez serem utilizados e para sentirem o frio da água. Algumas prateleiras de madeira continham potes com o resto da farinhada feita no ano anterior.A casa ainda tinha dois alpendres, no quintal e observava-se um galinheiro e inúmeros cajueiros que erguiam-se ate perderem-se de vista.
Nesta humilde casa a menina passaria os seus primeiros quinze anos de vida
Capitulo 2
Maria tinha cinco irmãos e três irmãs todos moravam juntos dividiam as tarefas do dia, os rapazes iam trabalhar na roça, enquanto as meninas ajudavam a mãe nos afazeres domésticos, a jovem menina acordava de madrugada o vento frio e cortante batendo em seu rosto e balançando sua cabeleira, arrumar a mesa e ajudar na preparação do cafe, botava o caco de barro para esquentar, enquanto sua mãe preparava a goma e a borra para fazer as tapiocas, uma de suas irmas ia comprar o queijo, a outra buscava o leite e assim todas sempre tinham algo pra fazer.
Sua mãe havia ensinado-as a fazer diversas coisas, elas sabiam fiar, fazer varanda de rede, costurar, fazer crochê, assim elas vendiam o que produziam e tinham dinheiro para comprar os vestidos para as celebrações da missa.
Nas épocas de colheita do milho, nas épocas de festas, trabalhavam em dobro para atender aos muitos pedidos que eram feito; faziam guloseimas para as quermesses, as dançarinas de quadrilha pediam para fazer ajustes nos vestidos e sua mãe sentava-se na maquina de custura e trabalhava habilidosamente, Maria ficava encantada com as cores e babados dos vestidos, entretanto ela nunca foi a essas quermesses, seus pais não deixavam de jeito nenhum .
O tempo foi passando e a menina cresceu.
Suas irmãs casaram-se e ela ficou sozinha junto de sua mãe, ajudando-a.
Foi por esse tempo que Marta começou a adoecer, tudo iniciou com uma tosse que apareceu inexplicavelmente, depois seguiu-se o cansaço, a dor nas costas, porem ela não quis ir ao medico. Quando tocavam no assunto falava que só era um resfriado nada de mais, mas não era o que a menina acreditava ela via sua mãe cada vez mais frágil e debilitada, sentia um aperto no coração quando a via.
as vezes ela cuspia sangue durante as crises de tosses, ficava cansada, Maria tinha muito medo, na verdade, um profundo temor que sua mãe não suportasse a doença e morresse. a estiagem também contribuía para que o quadro de saúde dela agravasse ainda mais.
Certa vez a menina que tinha apenas onze anos,Maria, saiu para procurar água e deixou sua mãe sozinha em casa pois ela estava muito cansada, nesse dia ela felizmente conseguira encontrar um pouco de água barrenta. Quando voltava encontrou com seu pai e os dois regressaram para o lar,porem quando chegaram perto de casa seu pai tentou faze-la voltar, mas a menina viu assim mesmo, a pessoa que ela mais amava estava caída no chão, pálida, inerte e sem vida.
O velório foi feito na casa de maria, as irmãs dela vieram com os seus respectivos maridos, alguns amigos da família também compareceram, vizinhos e curiosos todos querendo ver com os próprios olhos algo que não acreditavam.
Maria no entanto estava pasma, sua mãe estava morta, já não mais existia, a que lhe ensinara a fazer tarrafa, landoá, a que penteara seus cabelos, a ensinara cozinhar, desaparecera da sua vida, deixando no lugar um vazio muito grande que a menina não sabia se conseguiria preencher, dos seus olhos desceram lagrimas sofridas, Marta não pegaria no colo os seus filhos, a menina foi pega de surpresa pela vida e sofrera um golpe duro.
O enterro aconteceu em um cemitério que ficava pelas redondezas de onde moravam, pessoas que nunca se aproximaram de Marta quando esta necessitava apareceram chorando e se despedindo com frases comuns: ``era tão jovem...tinha tanta vida pela frente...sentiremos muito a sua falta...´´.A menina percebia a falsidade por detrás daquelas palavras,as mesmas pessoas com certeza já algum dia falaram mal e inventaram historias sobre a falecida.
Depois de dois anos de seca, a chuva caiu sobre a terra renovando a vegetação e a esperança de todos que resistiram firmes e fortes ali. Apenas um ano depois da morte de Marta,se ela tivesse conseguido resistir por mais um ano, só um ano depois que Maria assumiu as responsabilidades de sua mãe.
A menina tentava de todas as formas possíveis agarrar-se as ultimas lembranças da falecida .Lembrava de suas mãos quentes e acolhedoras, do seu sorriso, da sua voz calma e suave,porem quando preciso firme,de sua sombra passando por sua rede...enfim não conseguia esquece-la.
A sua liberdade foi então aprisionada, parou de frequentar a escolinha que tinha perto de sua casa,cozinhava, lavava pratos, costurava, lavava as roupas de seu pai e de seus irmãos, trabalhava fazendo tudo que sua mãe lhe ensinara como: varanda de redes, crochê, tarrafa, bolsas de palha e outras diversas atividades.
Esforçava-se ao máximo para cumprir tudo que precisava fazer,não parava nenhum minuto durante o dia a não ser para comer e rapidamente retornava aos seus afazeres, descansava apenas a noite.Agora que a chuva havia chegado, o seu pai voltara a plantar aumentando a responsabilidade da jovem, pois ela preparava a boia e ia deixa- la no roçado, quando voltava de la, preparava o almoço, eles retornavam ao meio dia.Mesmo com todas essas responsabilidades ela não reclamava,sabia que não tinha esse direito,por isso, obedecia calada a tudo que lhe ordenavam fazer.
Capitulo 3
Dessa forma os anos passaram e Maria já não era a mesma, seu corpo havia se transformado,seus traços infantis foram substituídos, sua mente também passara por transformações,estava mais alta, sorria com mais facilidade,o cabelo cresceu... e tantas outras transformações, que não se reconhecia mais ao se olhar no espelho.
Os seus irmãos também casaram e ela continuava junto ao seu pai,cuidando-o e ajudando-o,ela buscava ser a melhor filha, queria a sua aprovação, aceitação, carinho.Tudo que fazia no entanto não surgia o efeito esperado, sentia-se horrível quando ele a desprezava.
Ela então conheceu Pedro.
Um homem trabalhador, forte, inteligente, simpático... varias qualidades que uma mulher gostaria que seu marido tivesse.Fora em uma manhã, na hora de voltar com a água para encher o pote,ela sem querer ia derrubando as cabaças cheias ate a tampa.Então ele apareceu com uma tarrafa nas costas e a bolsa com os peixes nos ombros, ao vê-la, deu-lhe um sorriso:
- Precisas de ajuda?— pergunta
- Não quero incomodar ocê.
- Ah... não sera incomodo algum.
- Não é necessário...
- Pois eu faço questão de ajuda-la
Maria ficou sem conseguir responder e ele tomou as cabaças das mãos dela, deixou a tarrafa e a bolsa embaixo de um cajazeira e acompanhou-a ate a casa dela. Durante o percusso ele conversava com ela e sorria mostrando seus dentes brancos, alvos como o algodão que a jovem fiava.
Chegou na casa dela e deixou os potes em cima da pia e virou-se para sair, porem antes de faze-lo perguntou a Maria:
- Qual é o seu nome?
- Maria...e o seu?
- Pedro...Pedro Sebastião.- respondeu ele.
Quando ele já se fora a mulher ficou presa em devaneios, por mais que tentasse não esquecia dele,o brilho juvenil em seus olhos, a voz forte e ao mesmo tempo suave, seus cabelos castanhos, sua pele clara...Ah...detalhes e mais detalhes apareciam na sua mente...!!! Saiu de seus pensamentos exclamando:
- Oh... É tarde... É muito tarde!!
Então saiu apressada em terminar seus afazeres domésticos. Porem não seria apenas aquela vez que se encontrariam, ele aparecia muitas vezes com uma desculpa esfarrapada e um sorriso no rosto, Maria retribuía o sorriso e os dois desciam para o quintal conversando animadamente.
Certo dia ele a levou para conhecer os pais dele,Manoel e Ana, duas pessoas simpáticas e acolhedoras, as quais a receberam com muito carinho, mostraram-lhe o terreno e tudo que possuíam. Pedro não morava com eles construíra sua própria casa no pedaço de sua herança.
O tempo passava e algo crescia entre eles, algo forte, imenso, sólido e intenso. O tempo passava e as pessoas começaram a fazer mexericos e falar sobre eles,Maria percebia isso, quando passavam na rua juntos ela via as pessoas cochicharem a respeito dela, porem ela não ligava para esses comentários.
≈≈∞≈≈
No dia do aniversario do pai de Maria houve uma grande festa em comemoração, na qual fora convidados os vizinhos, parentes e amigos.Pedro de vez em quando ia na cozinha e tentava tirar uma provinha de algo, o que era repreendido pelas mulheres com um tapa na mão dele, o qual sempre sorria, comia o que conseguira pegar e saia com um olhar vitorioso.
Maria se empenhava totalmente no que estava fazendo, não dizia nada,pois não queria dar para aquelas mulheres mais um motivo para seus mexericos e insinuações que ja faziam, por isso nem sequer olhava-o.Em uma das muitas vezes que entrara ali, a mãe do rapaz viu que a jovem olhava-o discretamente,quando esta deu por este fato desviou os olhos encabulada e apressou-se a cortar a verdura, mas sentia o olhar daquela senhora e podia ate ver o seu sorriso de quem sabe e aprova o que estava acontecendo.
Na hora do almoço as mulheres arrumaram a mesa, colocaram as panelas recém tiradas do fogo, que exalavam seu agradável aroma por toda casa, estenderam as esteiras no chão de cimento batido para as crianças e elas mesmas sentarem-se, esperaram pacientemente os homens tirarem o que iam comer para depois colocarem a sua refeição.
Depois de alimentadas elas retiraram as esteiras do chão, guardaram o resto da comida que sobrou, limparam as migalhas da mesa e do chão, lavaram as louças e começaram a preparar o café tendo que lembrarem quem preferia doce e quem o preferia o amargo.Durante aquele frenesi, Pedro fez um gesto com a cabeça indicando a porta e saiu, ela no entanto esperou uns dez minutos para ir ao seu encontro.
Achou-o em um terreno cheio de cajueiros com um cigarro de palha na boca, olhou bem para os dois lados antes de entrar:
- Sua mãe o mataria se soubesse que esta fumando.
- Quem vai contar para ela? Ocê?
- Não... mais o vento, as arvores, os pássaros e as paredes tem ouvidos e olhos...
- Bobagem.Se num vais contar ... ninguém saberá.
- Me dê um cigarro...
Ele fez que não com a cabeça e cerrou os olhos por causa da fumaça depois cruzou os braços e disse:
-As pessoas estão falando de nós.
- por que não me das um cigarro?
- Não é bom para ocê...
- Mais e pra ti?
- Vou pedi-la em casamento ao seu pai.
- hum...
- Olhe para mim...tenho certeza que ele vai deixar...
E deixaria mesmo, pensou ela. Então sentiu um beijo úmido em sua testa e viu a sombra dele afastasse e ir embora deixando-a presa em pensamentos,algum tempo se passou ate que Maria voltasse para casa.
O sol demorou a baixar no horizonte e a noite parecia uma eternidade para ela que não conseguira dormir, assistiu o nascer do sol e sentiu a brisa gelada em sua pele,desde a ultima conversa com Pedro ela estava inquieta e pensativa, sonhava com ele e não parava de lembrar-se de suas palavras.
O pedido de casamento veio uma semana depois,o seu pai recebeu o pedido com serenidade e deu a benção dele para alegria de Maria, agora nada e nem ninguém a impediria de casar com Pedro.começara os preparativos para a celebração da união deles.
Sara, uma das irmãs dela, ajudou-a com o vestido, compraram o tecido, as linhas, enfeites, o véu e varias outras coisa.Com dedos habilidosos,a irmã, cortou o tecido, alinhavou, costurou, fez pregas, ajustou, bordou o vestido com detalhes delicados,botou uma renda, também colocou o véu na tiara, pregou os botões... No final de tanto trabalho admiraram o vestido belíssimo que produziram,a jovem já pensava no dia que o vestiria.
Pedro também estava dando duro reformara toda casa, trabalhara muito para comprar as alianças...tudo estava, no entanto, andando conforme o planejado.
Chegou o dia esperado, Maria apressada vestiu-se e Sara fez em seus cabelos um lindo penteado, prendeu delicadamente a tiara com o véu em seus cabelos,ela estava um pouco agitada algo comum no comportamento das noivas.
A igreja já estava lotada de pessoas quando Pedro entrou nela, encontrou um amigo de infância e os dois entraram em uma conversa animada:
- Como estas?
- Bem...tu vai casar antes de mim...
- É...estas atrasado.
- Ahh... que nada...
Porem ele não o escutava mais seus olhos estavam presos em algo atras dele, segui olhar dele e viu Maria radiante de felicidade.
-Ahhh...entendo.Com licença...
Ela colocou-se ao lado dele e os dois caminharam ate o altar, ajoelharam-se perante o padre o qual deu inicio a celebração com as frases que Maria estivera sonhando durante muito tempo, ela acordou de seus pensamentos quando o padre dava a benção final.
As danças e musicas encheram a paróquia animando a todos,assim que elas pararam as pessoas dirigiram-se para as mesas cheias de pratos saborosos,baião, carne de sol, paçoca de camarão, sucos de diferentes sabores, peixe, doce de mamão verde, frutas diversificadas, bolos e tortas!
Os convidados comiam rindo e brincando, o prazer e a felicidade encherão o espaço. Durante aquele dia as pessoas festejaram e deram suas bençãos para o mais novo casal. Ao por do sol saiu o cortejo que passou por muitas casas ate chegarem ao novo lar de Maria. Depois de despedirem-se deles as pessoa deixaram o casal sozinho.
Um pouco mais tarde eles dormiram abraçados, acima do teto daquela casa o céu estrelado e com uma lua reluzente cobria-os como um véu de noiva.
Capitulo 4
Maria continuava com a mesma rotina, talvez um pouco mais leve, acordava cedo, preparava o café amargo, fazia as tapiocas, comprava o leite, colocava-os na mesa, esperava Pedro ir comer para depois ela tirar o que ia comer, preparava a boia, deixava-a no roçado...e muitas outras coisas.
Sua casa era menor, não tinha mais varanda, fora construída de tijolos e outras coisas diferentes da sua casa antiga. Porem ela gostara daquela casa.
Em 1941 ela deu a luz ao primeiro filho. Engravidara e não sabia só veio descobrir dois meses depois, a barriga dela começou a crescer, ficou preocupada de como seria a reação de seu marido, porem ela foi uma das melhores.
Em setembro, quando estava preparando o comer ela sentiu uma dor aguda na barriga, quando olhou viu e sentiu um liquido morno e amarelado descer pelas suas pernas, gritou por ajuda e uma mulher a socorreu, deitou-a com cuidado e começou o trabalho de parto, a jovem sentia dores horríveis, não imaginava que por alguém no mundo seria tão dolorido, estava banhada de suor, rezava implorando a Deus para que a criança nascesse, de repente o grito de dor da mãe confundiu-se com o choro da criança.
A sua salvadora limpou-a do sangue,limpou o bebê e a entregou, era um menino,ele estava enrolado em um pano. Em seus pensamentos ela lembrou de sua mãe, olhou para o bebê e admirou-o, seus cabelos eram castanhos como os de Pedro, o rosto um pouco parecido com o dela, tão frágil e delicado...
- Jurandir...esse é o nome... – disse ela cheirando-o e beijando-o.
Alguns meses se passaram e a nova mãe percebia as dificuldades de criar um filho:acordava de noite com o seu choro, precisava tomar cuidado com tudo, pois o menino saia engatinhando por toda casa atras de algo que suas mãozinhas pudessem pegar, botava pedrinhas na boca...Maria precisava tomar mil cuidados.
Pedro no entanto o levava para o roçado e deixava-o brincando em baixo de um cajueiro e começava trabalhar, a jovem mãe ia deixar a boia e o almoço, os dois só voltavam para casa na hora que o sol começava a baixar no horizonte,sujos e cansados, tocavam um olhar cúmplice como se soubessem de algo que ela desconhecia, ela sentia um pouco de ciumes da intimidade deles.
Ao contrario de Pedro que sorria para ela quando percebia o seu ciume, dizia que era bobagem...
Naquele mesmo ano, quando Pedro voltou ela recebeu dele um presente, parecia uma caixa de madeira, porem havia alguns botões, era um tal de radio, uma especie de nova tecnologia, ela não entendeu direito a explicação que ele deu, mas todo dia assentavam-se a luz do lampião e escutavam as noticias que se passavam,também a novelas e filmes, apareceram os cantores de radio encantando a todos com suas musicas românticas.
Ele funcionava assim: um botão dele o ligava quando acionado, outros dois botões funcionavam um para aumentar ou diminuir o volume e o outro para mudar a frequência. Sua aparência era bonita, era um tipo de madeira envernizada
Capitulo 5
O tempo correu e passou, Maria engravidou, não uma nem duas vezes, porem estava esperando o nono filho, ela havia tido quatro meninos e quatro meninas,a vida finalmente a estava retribuindo por todas as dificuldades que passara ate ali. Porem durante aquele ano a chuva não caiu ali e a sombra da fome veio rondar novamente as pessoas que ali moravam.
Pedro assustou-se apenas com a possibilidade de seus filhos passarem fome, por essa razão ele resolveu fazer uma proposta para ela:
- Estava pensando...se haveria possibilidade de nos todos se mudar para a capital...
- O que ocê disse?
- Para nós irmos para a capital.
- Não e não!
- Ocê num esta entendendo...não podemos ficar aqui.
- Podemos sim...
- Isso ja esta decidido...
- Vamos abandonar tudo que construímos aqui?
- Sim se isso for pelo bem de nossos filhos.
- Pode ir eu ficarei...
- Ocê vai sim!!! Eu num quero ouvir esse seu lamurio...- disse gritando – Ocê tem que parar de ser egoísta e olhar para a a família que agora nos temos!
- Não grite comigo...
- Quem manda ocê me irritar?! Sua egoísta!
- Eu sou egoísta?
- Ocê é pervessa e cruel!
Ela não se conteve e por impulso acertou um tapa na cara dele, quando deu por isto, ficou trêmula e aflita, Pedro olhou-a com uma expressão de idio no rosto e entrou no quarto ela porem voltou aos seus afazeres, então sentiu alguém puxa-la pelo braço, virou-se e sentiu algo frio encostado em sua cabeça, Pedro não disse nada e o que se era preciso dizer quando se tem uma espingarda apontada para a cabeça de sua mulher?
Foram então para a capital, quando havia se passado um ano, em uma manhã de segunda-feira, um senhor veio bater a porta da casa dela.
- Desculpe meu marido não está – antecipou-se
- Eu vim falar justamente dele.
-Entre ...
- Bem... senhora...humm...qual e o seu nome?
- Maria.
- Senhora... o seu marido faleceu esta manhã a caminho do trabalho.
- Eu...eu não entendi ...
-Meus pêsames... ele morreu.
Ela não podia acreditar no que o senhor havia falado para ela, não podia ser verdade e nem ela queria que fosse.
Tudo outra vez se repetia, tantos anos depois a cena se repetia, a diferença era que estavam em outro lugar.Da mesma forma que assistira as pas serem enchidas de terra e lançadas na sepultura de sua mãe agora o via em seu marido.
A primeira decisão que tomou foi a de voltar para sua terra, não ficaria ali nem mais uma semana, havia sido contra ir para lá, reuniu todos os filhos e voltou para sua humilde cidade, chegou lá e foi recebida com exclamações de espanto sobre a morte de seu marido.
A sua casa estava um pouco diferente do estado que deixara: o mato havia crescido, a casa estava cheia de poeira e com cheiro de mofo, o cupim tinha furado os armários de madeira...Com garra ela arregaçou a manga de sua blusa e pôs as mãos na massa.
Trabalhou firme, no sol forte com uma enxada na mão, serviço pesado, que só os homens faziam, meteu-se por dentro do mato e capinou-o todo, ajeitou a roça e replantou-a, observou o rio correr e lembrou do dia em que avistara Pedro pela primeira vez, com a tarrafa nas costas, mas não se deixou abater.
Criou seus nove filhos no maior sufoco, vendeu uma parte da herança de seus filhos para poder pagar as despesas de sua criação,porem nunca deixou nenhum morrer. Os dias passaram e se tornaram meses que viraram anos, seus filhos ganharam asas e voaram, formaram-se, casaram-se e trouxeram muito orgulho para ela.
Alguns voaram para muito longe, mudaram-e para outros estados mas continuamente a visitavam e mandavam noticias para ela, a qual começou a curtir sua velhice, quando seus netos iam visita-la ela contava para eles toda a sua vida, mostrava-os os lugares onde estivera no seu tempo de juventude.
Certo dia seus filhos resolveram fazer uma surpresa, reuniram-se e foram visita-la, levando netos e bisnetos, formando uma enorme família, a qual emocionou muito Maria.
Nesta mesma noite quando ela terminara a sua reza,uma lagrima escorreu de seus olhos, desta vez não era de sofrimento e sim de alegria e superação, havia feito um bom trabalho... mais que um bom trabalho...excelente trabalho
Então ela deitou-se na sua cama e desligou a lampada lede, fechou os olhos e dormiu, desta feita para nunca mais acordar e descansou para sempre, foi-se feliz por ter cumprido o seu dever, morreu em ditosa velhice rodeada de seu netos e filhos.
Deixara em herança um exemplo de determinação, força de vontade, esperança, amor e fé. Deixara sua marca no coração de quem a conheceu conviveu com ela.
Notas da autora
Boia é a refeição dada para os trabalhadores na qual geralmente é composta por tapioca, café, rapadura e bolacha.
Caco de barro e uma especie de frigideira na qual se faz as tapiocas.
Mucunã é uma batata do mato selvagem e venenosa a qual não lavada corretamente pode levar a morte
Antigamente no interior os noivos ficavam em jejum ate terminada a celebração.
Os primeiros rádios chegaram ao Ceara em 1941.
As primeiras televisões chegaram ao Ceara em 1950
Não mencionei uma seca que durou sete anos, que houve entre 1979 a 1985 porem foi uma das piores secas, deixando um enorme rastro de miséria.