Delivery na quarentena
Ele saia todos os dias no cair da tarde. A cidade estava parada, quase vazia. Só não estava totalmente "nua", porque existiam os teimosos contrários a quarentena, os terraplanistas, os discipulos do guru Olavo de Carvalho, os seguidores do "mito". E os moradores de rua que não tinham outra opção. Se não ficar ao léo esperando as pessoas de bom coração que todos os dias lhe davam café da manhã, almoço, merenda da tarde e janta.
Até o rapaz que saia de casa ao beirar da noite para entregar delivery não tinha essa fartura de refeições. As suas entregas de bicicleta subindo ladeira, enfrentando o trânsito, entrando em ruas escuras e perigosas para ganhar 4 reais por entrega de 2,5km a 3km.
Mas Russo não tinha opção. Seu trabalho tinha "acabado" por causa de um virus, um tal de covid-19, que nem dava para ver a olho nu, a não ser por microscópio.
Agora restava o delivery. Suas entregas, 4 a 5 corridas por dia lhe rendiam R$ 18,00 a R$ 20,00. Antes no seu emprego, as vezes ganhava R$ 200,00, R$300,00.
As vezes não ganhava nada. A única coisa positiva nessa situação era que Russo estava saindo do sedentarismo. Eram agora 15km a 20km por dia numa bike sem marcha que estralava direto a corrente quando ele subia a ladeira.
Sua auto estima andava meio baixa. Sua idade avançava, já tinha mais de 40 anos, formado, desempregado, num sub-emprego, aguardando o auxilio emergencial para pagar o aluguel.
Depois de vários anos namorando ficando sendo um garanhão, agora lhe restava a esperança, o sonho, de um dia quem sabe, o mundo gerar e sua vida melhorar financeiramente para todas as mulheres voltarem a chegar perto dele.
Russo acreditava que até perto dos 40 anos tinham mulheres que gostariam dele, independente da sua condição financeira.
Mas depois dos 40 anos a situação ficou meio agressiva. Ele sentia o cheiro, o perfume das mulheres, até via alguns olhares mas observava que certas mulheres só queriam alguém com grana para comprar perfume, roupa, levar a restaurante, pagar as contas.
Então Russo sabia que ele tinha duas opções: ou ficava rico ou ficava sozinho.
Mas parece que não era bem assim. Alegremente ele subia a ladeira, rumo ao seu local de espera para entregas, quando duas jovens sentadas na calçada paqueraram com ele, com uma piadinha sutil.
- Essa entrega é para mim?
Russo passou direto, sabia que não poderia responder. Mas ficou alegre sentiu que ainda existiria atração sem interesses. Se bem quea jovem queria a entrega para ela.
Numa noite Russo pegou uma entrega e teve que sair da Avenida 13 de Maio e cruzar a perigosa Avenida Aguanambi e seguir 2km numa rua paralela a Avenida Pontes Vieira só em subida. As pernas dele já não aguentavam mais. A rua escura deserta foi entrecortada por três jovens deitados na pista e um outro ao telefone. Russo acelerou e tentou não olhar para trás. Estava esperando algum grito de "pare", ou de algum tiro que o derrubasse e findasse sua vida ali mesmo. Mas não foi dessa vez e o homem seguiu viagem e finalizou sua entrega.
Várias entregas alías eram super distantes. A maioria em prédios, em que o porteiro era a única pessoa que ele via. Só sabia que agradou na entrega quando vinha uma gorjeta para alegrar sua vida.
Quando tinha o contato visual com os clientes o produto era entregue de forma distanciada e rapidamente. Teve até cliente que perguntou pela máscara e Russo só deu conta de usar quando viu nos noticiarios morte de pessoas de 17 anos sem ser do grupo de risco. Cenas de tratores abrindo valas em São Paulo para enterrar vitimas do novo coronavirus. O medo de faltar o ar e ser infectado o fez mudar suas ações e agora era bastante álcool gel e máscara.
Mas o que o fazia mesmo irritado era o celular caindo no meio das avenidas de Fortaleza. Isso porque o suporte que ele colocava para seguir a localizacão era frágil. O pior foi na volta para casa. Quando foi retirar a máscara pois estava com pouco ar, o seu óculos voou e ele teve que no outro dia colar com superbonde e acabou manchando a lente, que depois teve que tirar com água morna e acetona, mas não tirou tudo e no outro dia ele teve que tirar o resto já que tava dando dor de cabeça ver um pouco embaçado
As pessoas continuavam nas ruas sem necessidade. Filas de DryveThru e de balcão. Filas de banco e lotéricas lotadas. Um presidente tossindo no meio de uma manifestação de fanáticos em SP em plena democracia pedindo a volta da ditadura e o povo sendo gado e seguindo o que o capitão fala.
Em uma tarde Russo estava deitado na rede e pegou o celular. Viu uma mensagem de uma jovem bonita e ela perguntou se ele fazia entregas particulares. Ele respondeu que sim.
Ele não sabia o que a jovem queria. Ela passou alguns dias se entrar em contato. Mas quando entrou em contato chamou ele para sua casa para pegar um produto e deixar na casa da sua mãe. Era 11h30 ele se arrumou as pressas pegou a bagg, saiu na bike e se dirigiu ao endereço. Chegando no prédio e se indentificou e o porteiro mandou ele subir. Russo subiu pelo elevador, quatro andares. Chegou a porta e bateu. A mulher loira jovem saio de short curto e sutiã e pediu a ele que entrasse para pegar o produto. Mas quando entrou descobriu que não tinha produto nenhum, mas apenas alguém carente de contato físico e paixão. Antes ele passou bastante gel e foi realizar um sonho dele e dela. Quarentena deixar as pessoas meio loucas, insanas como o presidente.