Vazio

Sem sono, acordara antes da alvorada. O carcarejo dos galos se sucederiam horas depois, agora a única luz era a da lua brilhante no céu escuro. A lâmpada do banheiro irritou seus olhos quando a acendeu, fazendo cerrar as pálpebras enrugadas. No espelho podia ver o rosto de um homem velho e cansado, com o cabelo já alvacento pela idade. Mas não teria certeza se era seu rosto ao qual olhava, não reconhecia aquele homem. O homem que tivera uma vida cheia de graça e ternura, desposado com a mulher que conquistara seu humilde coração não poderia ser o mesmo que agora tinha pesadelos constantes, o sono desaparecido antes de qualquer raio de sol, uma crescente angústia dentro de si e um decrépito coração que bombeava sua melancolia.

Após o câncer levar sua doce esposa os dias tornaram-se soturnos. O passado tornara-se motivo de lágrimas e parecia cada vez mais longínquo, cada vez mais esquecido, fictício e duvidoso. Ele sabia que tivera uma vida, mas a que conseguia relembrar não parecia correta. Um homem, uma mulher, um marido, uma esposa, a felicidade, a tristeza, uma vida, uma morte, um homem, nenhuma esposa. Não parecia certo.

Continuava aquele rosto estranho o observando através do espelho. Lavou o rosto, pensando que talvez aquele realmente fosse seu rosto, suas feições envelhecidas e marcadas, sua tez pálida, seus olhos cansados e seus cabelos esbranquiçados e grisalhos. Sua figura evidenciava uma vida infeliz, solitária, taciturna, insatisfeita. O passado parecia dizer o contrário, queria o passado, queria voltar. Mas o presente parecia ser onde todos viviam, um mar infindável de arrependimentos, agonia e angústia. Era inevitável, a tristeza.

O dia passara lento. Gostava de sentar a sua varanda e dali observar o céu azul, abraçado de nuvens brancas, e sentir o bálsamo que trazia a brisa tocando seu corpo. Mas sentar ali, agora, na sua cadeira de balanço, não parecia tão confortador, seus olhos não fitavam o céu, e sim a outra cadeira ao seu lado, vazia. Vazia como ele, no seu âmago.