Laguinho do trator
Quando acordei naquela manhã de sábado não sabia as surpresas que aquele dia me reservava. Há muito vinha, com os amigos, esperando um dia quente o suficiente para poder aproveitar o laguinho do trator, que rebatizamos com esse nome naquela mesma tarde.
Acordar se torna tão fácil quando se está vivo, que acabamos por não nos perguntar se estamos sonhando quando, com a cabeça enterrada em um travesseiro, abrimos as janelas para contemplar o mundo exterior. Algo que sempre me vem no pensamento quando em momentos de ócio: questões sobre vida e morte. E sempre me lembro de uma passagem que li por aí: "dormir é uma forma interina de morrer". Nossos cérebros têm a função de compreensão do mundo físico. Antes mesmo de conseguirmos proferir palavra ou nos sustentar em nossos membros inferiores, nossos cérebros sabem qual é o principal ingrediente para a vida e faz a maquininha chamada corpo realizar as tarefas mais simples, mas, que têm significados grandiosos.
Se o leitor quer realmente saber: não! Naquela manhã essas reflexões não pairaram em minha mente. Pensava apenas no sol das três da tarde. Qual é o jovem que, no alto de seus 13 anos, pensa em morte? A vida jorra de nós como as Cataratas de Foz em época de cheia, pois estamos tão cheios dela, que não nos sobra tempo para olhá-la esvaindo-se de nós. O negócio é não nadar contra a correnteza da vida. Quem conseguir a proeza de subir as quedas de Foz à braçadas poderá em fim abreviar o rio da vida.
Por hora vou voltar ao começo do meu monólogo.
Não sei como expressar a alegria que senti quando abri a janela e vi o céu mais lindo de toda a minha existência. O azul ia do alto do telhado da minha casa até tocar as copas das árvores mais altas que, de tão distantes, eu as via como uma simples linha verde escuro no horizonte. Primária e secundária se tocando. Não me surpreenderia se depois do horizonte o céu fosse todo amarelo.
A ansiedade tomou conta do meu ser. Os minutos estavam sendo contados um a um; os segundos se arrastavam com tanta preguiça... Depois do café, fui para os meus afazeres diários, algo para ocupar a minha cabecinha aflita. Onde eu vivia as crianças não podiam se dar ao luxo de não fazer nada. Desde sempre, meus pais me ensinaram que nessa vida eu não conseguia nada sem força de vontade empenhada no esforço para tal. Gostaria de poder agradecer meus pais pelos valores que me passaram.
Combinei comigo mesmo de ir arrumar as coisas que levaria no laguinho depois do almoço. As coisas que levaria comigo: uma garrafa de água, uma varinha com anzol e só! Ah, ia me esquecendo das minhocas. Essas eu iria procurar depois do almoço. A minhoca é a última coisa que eu pego, sempre!
E fiz tudo na ordem que foi descrito aqui. Isso! Chegou a hora. Agora é só esperar a piazada chegar!
Fiquei em frente de casa, na rua, esperando. Não demorou muito para eu avistar lá ao longe, pois a minha rua era daquelas de se perder de vista, os companheiros de pescaria e banho de lago. Os três vinham na animação de sempre. Quase não dava para conter a animação que em mim cresceu ao ver a farra que eles vinham fazendo. Quando em mim chegaram, cumprimos as formalidades que cabiam às crianças de nossa idade, e nos colocamos a andar... Andamos por quase meia hora até chegar ao nosso lugar favorito nos dias quentes de verão. A escola é que fazia o papel de mediador naquela época. Dias de semana ficava difícil de conseguir autorização dos pais.
Quando avistávamos o tão desejado lago fazíamos como que o mesmo ritual de sempre: apostar corrida para ver quem iria cair primeiro na água. E foi a assim mesmo que se correu tudo. Não me recordo quem foi o primei, mas tenho certeza que todos fomos premiados com a alegria de estarmos lá. Ainda hoje consigo relembrar os momentos de satisfação que aquilo nos dava. A festa de quatro crianças em uma água que não oferecia perigo algum, pois o mais fundo que aquele lugar chega não encobria o menor de nós.
O lago ficava dentro de uma propriedade particular, mas tínhamos a permissão dos donos para aproveitar ele. E naquele dia o dono e o filho mais velho estavam perto do lago. Estavam trabalhando. Limpando a parte do terreno próxima ao laguinho. Até chegaram a nos cumprimentar de longe. Nós prestamos bem pouca atenção a eles.
Mas tudo mudou quando o filho surgiu com um trator. A limpeza tinha que ser feita, e para isso teriam que utilizar de muita força para puxar uma árvore que há tempos estava caída naquele local. Não sei dizer a espécie da árvore, mas de uma coisa eu tive certeza aquele dia: era da espécie mais resistente que existe.
Não sei de qual deles foi a ideia de puxar aquela árvore inteira, só espero que não tenha sido do pai. Penso que um pouco teve culpa o trator por ser tão forte e novo. Aquela gente tinha dinheiro, e o dinheiro traz algumas comodidades. Trator na garantia tem que usar sem dó.
O filho amarrou a árvore com uma corrente e começou a puxar. Não sem muita força aquela pesada árvore, aos poucos, começou a se mover do local. Era uma visão fantástica para crianças. Como crianças gostam de máquinas...
Aos poucos o filho foi pegando confiança na máquina e aumentou um pouco mais a velocidade, depois que tirou a árvore do seu lugar de repouso ficou mais fácil. Confiou em si, confiou na máquina, mas não desconfiava que ao passar perto de um árvore ainda em pé, aquele tronco cheio de ganhos faria um movimento inesperado fazendo com que um de seus ganhos prendesse na árvore viva. Foi a coisa mais impressionante que vi um trator fazer. Foi muito rápido, mas a árvore em pé foi pendendo lentamente, na mesma proporção o trator foi erguendo a frente.
Em fim a árvore venceu. O trator virou. Quem antes estava em cima, ficou em baixo. Ao ver aquilo ficamos paralisandos. A visão era de uma máquina com as quatro rodas para cima, duas delas rodavam, pois o trator ainda estava ligado.
O pai chegou correndo para socorrer o filho. O combustível começou a escorrer pela máquina ocasionando um pequeno incêndio. corremos para o lago e pegamos nossas camisetas na esperança de aplacar as chamas que começavam a crescer. Molhávamos as camisetas no lago e trociamos a água em cima das chamas. Aquilo não estava fazendo nem cócegas no fogo. Foi então que tive a ideia de jogar terra. De início eu, depois toda a turma, por fim o pai, aos choros e pedidos para salvar o seu filho, jogava terra como a turma. E foi isso que deu certo. O fogo foi apagado depois de alguns minutos.
O pai, que sabia o tamanho do estrago que o acidente causou, foi chamar ajuda. Pediu ajuda para o vizinho que não morava muito perto. Quando a máquina do vizinho desvirou o trator virado, o corpo amassado do filho ficou em cima do trator. Não preciso descrever a situação em que aquele pai se encontrava. Seu amado filho todo quebrado, quase partido ao meio pelo volante, o crânio estava amassado por uma proteção que ficava em cima do painel da máquina.
E foi o dia mais trágico de toda a minha vida. Imagino como deve ter sido para aquele pai, se tiver partido dele a ideia de puxar aquela árvore inteira.