Conto das terças-feiras – Causos da dona Zefa - 1
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 14 de abril de 2020
Casou-se adolescente ainda, 15 anos de idade, com um senhor com 32 anos. Ele experiente, ela não conhecia nada da vida, só de trabalhos da roça e cuidados de animais. Ingênua como é a vida de uma adolescente de uma pequena cidade do interior. Ela só não contou por que se encantou pelo seu Argenildo.
No mesmo dia do casamento mudaram-se, de mala e cuia, era só o que o casal possuía, para outra pequena cidade, no interior da zona cacaueira baiana. Foram morar em uma fazenda de cacau que estava precisando de mão de obra barata. Ganharam uma casinha, arrumadinha, localizada próxima a casa da fazenda. Os primeiros dias foram de acomodação, o cacauicultor oferecia os gêneros de primeira necessidade, o seu uso deveria ser providenciado pela companheira do trabalhador. Isso era moleza, pois Zefa conhecia, aprendera com a mãe, dos afazeres domésticos.
Conheci-a quando já beirava os 50 anos de idade. Era forte, saudável e trabalhadeira. Em casa contava com seis filhos e o marido aposentado. Como já disse, trabalhadeira, sempre sentada à frente de sua máquina de costurar Singer, não deixava faltar nada em casa. Era considerada pelas clientes uma excelente costureira. Sonhava em ver os filhos bem encaminhados, esmerava na educação deles, nesse ponto era rígida e exigente.
Eu gostava de conversar com ela para ouvir os seus “causos”. Alguns engraçados, outros tristes e outros inverossímeis, difíceis de acreditar, mesmo! O que segue, com toda a realidade exposta, me foi contado em uma noite de lua, o ar estava frio e o silêncio reinava na cidade. Clima propício para uma história de alma penada.
— Eu estava sonhando há quatro dias com um homem querendo entregar-me um baú, dizia dona Zefa. Em contínuo ela narrou o que se segue:
“Falei para o meu esposo e ele recomendou-me que perguntasse onde encontrar esse baú, e o que ele continha. Respondi-lhe que não teria coragem de falar com morto. Mas você está dormindo, replicou ele.”
Naquela noite, ao dormir, pedi, rezando, para sonhar com o senhor do baú, o que aconteceu mais uma vez. Tive coragem, no sonho é claro, e o homem deu-me o recado seguinte:
— Debaixo do pé da velha cajazeira que fica na entrada da roça de cacau do Preto Velho, há uma estaca de jacarandá fincada dois metros de seu tronco. Lá, Preto Velho cavou um buraco e enterrou um baú com muitas moedas de ouro. Você não dever procurar agora, espere quando eu mandar.
— Perguntei-lhe por que esperar, resolveria minha situação financeira, disse-lhe.
O homem foi lacônico: — Porque ainda não é tempo!
— Acordei chateada e blasfemando contra o homem. Que egoísta, o conteúdo do baú já não lhe serve para nada. Fiquei com aquela história na cabeça o dia todo. À noite, pedi novamente para sonhar com aquele homem, o que não aconteceu. Nem nos quatros dias seguintes. Na manhã do quinto dia, falei para o meu marido que estava disposta a ir ver o que tinha debaixo da cajazeira. Combinamos ir os dois, quando a tarde estivesse se despedindo do dia. Ninguém poderia tomar conhecimento do que planejávamos e executaríamos naquele início de noite.
— Estou com medo, dizia meu marido. Não sou acostumado a lidar com isso.
— Eu também não, mas é por uma boa causa. Ficaremos ricos, será?
O marido nada mais falou. Ficou, o resto da tarde, deitado em uma rede estendida no alpendre em frete da casa. Era sábado e ele não trabalhava. Um quarto para as seis horas a mulher o tirou do sossego, já com um balde, uma enxada e uma pá.
— Vamos trabalhar homem, sai dessa rede, vamos!
De um salto só ele ficou de pé. Receoso calçou as botas de borracha cano curto e partiram rumo à roça do Preto Velho. Em lá chegando começaram a cavar o chão, exatamente rente à estaca de jacarandá. Cavaram mais de um metro e a pá bateu em um objeto duro. A enxada foi exigida, para retirar, com cuidado, o restante de barro que cobria o misterioso baú. Içado, o dito cujo foi aberto. Para surpresa e decepção dos dois, encontraram um saco de aniagem e dentro pedaços de carvão, mais ou menos do diâmetro de uma moeda da época do império.
Cabisbaixos, os dois voltaram para casa. Dona Zefa nunca mais sonhou com o tal homem do baú.