O JARRO
Pensem num episódio confuso.Eu diria, muito louco.
Para que a coisa fique mais fácil de entender, digo-lhes:
Em nossa casa, em priscas eras havia um jarro.
Branco, esmaltado,com remates em azul, inclusive a alça, ou pegador.
Incontáveis as vezes em que ouvi meus pais determinando:
- Thute ! (Era assim que me chamavam) apanhe o jarro e vá no “olho d´agua”, buscar água fresca.
O “olho d´agua” ficava sob um arvoredo numa campina proxima de onde morávamos.
Obediente, lá ia esse vassalo que ora vos relata.
Paralelo ao jarro para água, tinha eu um amigo de infância que estava sempre conosco, chamado “Jairo”, à quem meu pai, meio desajeitado com a língua portuguesa, denominava de “Jarro”.
Assim...Tínhamos o jarro para o líquido precioso (que ficava sobre uma mesa no canto da cozinha,sempre encoberto com um pequeno pano bordado e com frescurinhas de crochê pelas beiradas.Minha mãe adorava tecer estas “frescuras”) e o outro “Jarro” que, na língua de papai, era o meu amigo.
Segue o baile...
No meio da semana, meus padrinhos, de passagem por nossa casa,chegaram para fazer uma visita à comadre, já que o compadre ,por compromissos de trabalho no interior, só retornava aos sábados à tarde.
Conversa vai, conversa vem,chimarrão,rola um cafezinho.No entorno da mesa,minha mãe a certa altura da conversa, fala de sua saudade e preocupação com o esposo que permanece tanto tempo longe da família.
Ao que, e seu melhor estilo italiano, acompanhado a boa gargalhada meu padrinho atiça fogo.
-kkkkkkk Nem se incomode comadre ! Lhe asseguro que ele toma umas cervejas bem geladas com aquelas morenas bonitas e fogosas lá daquelas bandas.
[ A madrinha lhe dá uma catucada e diz entre dentes: “Cala essa boca, véio ]
Pronto.Estava armado o circo.
**************************************************
Tarde de sábado...
Chovia mansamente.
Todo sorridente e cheio de agradinhos papai adentra à casa.
É recebido com indiferença.
Minha mãe está “emburrada”, ou “ de beiço virado”, como se diz por aqui.
Logo ela que era tôda falante, fica alheia à presença do marido no melhor estilo “Tô nem aì”.
Ele não desiste.Quer saber o porquê a todo custo.
Ela nada responde !
Jairo e eu, nos retiramos e vamos martelar umas madeiras que farão nossos carrinhos.
A insistência continua !
Nada de resposta.
A voz vai se alterando, alterando, alteraaaando... Até que ela desabafa sobre a história das morenas, das cervejas, dos agarramentos,enfim...
Ele jura pela mãezinha.Quer ve-la morta! (Sequer se dá conta de que isso já ocorreu a alguns anos)
A coisa vai chegando às raias da baixaria e agora papai quer arrancar o fígado do compadre.
Chove fininho sobre o telhado.
A gritaria vai tomando consistência.
De repente sou chamado por meu pai com uma “certa sutileza”
- Thuteeeeeeeeeee ! Venha aqui agooooora !
O berro deve ter sido ouvido pela vila inteira.
Apresento-me na porta da cozinha.
Ele me ordena:
Vái já com o “Jarro” na casa do compadre, e mande ele vir imediatamente aqui.Vamos ! se mexa !
Tentei argumentar:
- Mas, pai ! O olho dágua é tão pertinho ! O padrinho mora a léguas daqui ! Porque ir buscar água lá naquela distância?
- Tô falando do “Jarro” e não discuta comigo,piá de
bosta.Tenho urgência de falar com aquele ( filho “daquela” que todos já sabem ,né?)
Sem mais discussão, derramei o que restava de água no jarro e fui saíndo meio murcho.Aos berros,meu pai explicou:
-O “Jarro” que tô falando é o “Jarro” seu amigo.Parece
que não me entende ! Leve –o em sua companhia, só isso!
Dou até uns trocos pra vocês.mas vão já.
Assim que “Jarro”- o amigo - de guarda chuva em punho chegara ao portão e estávamos prestes a encarar a missão, eis que todo garboso,montado em seu cavalo pampa, com chapéu de aba larga, bota e vestindo uma daquelas capas que encobrem até o traseiro do animal, surge meu padrinho, todo falante e alegre:
- E daí , minha gente.Tudo animado por aqui? Vim filar uma bóia ! Uma chuvinha destas combina com uma bela galinha com polenta, e ...Raditche, completou todo sorridente.
-Galinha com polenta é o que eu vou enfiar no teu foçinho,seu mentiroso...
[ Destruidor de laaaares, completa minha mãe de forma melodramática ]
Aí a coisa ferveu pela segunda vez.Falavam todos ao mesmo tempo, teve crise de choro, de tosse, um quase desmaio, enfim...
Cheios de tudo,meu amigo e eu, voltamos para o paiol na faina de confeccionar o carrinho.
Já era bem à tardinha quando fui inquerido, agora de forma doce, branda, afetiva:
-Thute ! Vá comprar um vinhozinho para a janta.
A cozinha rescendia à manjericão. Papai e padrinho jogavam cartas amistosamente na mesa da sala, mamãe cantarolava ao redor do fogão.
Estrada a fora, eu e o Jairo, ou “Jarro” ,não necessariamente nesta mesma ordem, íamos em busca do “vinhozinho” para acompanhar a galinha com polenta.
A noite caiu, a harmonia reinou e a janta estava deliciosa.
Nunca mais tive notícia do “Jarro”, meu amigo de infância.
Pensem num episódio confuso.Eu diria, muito louco.
Para que a coisa fique mais fácil de entender, digo-lhes:
Em nossa casa, em priscas eras havia um jarro.
Branco, esmaltado,com remates em azul, inclusive a alça, ou pegador.
Incontáveis as vezes em que ouvi meus pais determinando:
- Thute ! (Era assim que me chamavam) apanhe o jarro e vá no “olho d´agua”, buscar água fresca.
O “olho d´agua” ficava sob um arvoredo numa campina proxima de onde morávamos.
Obediente, lá ia esse vassalo que ora vos relata.
Paralelo ao jarro para água, tinha eu um amigo de infância que estava sempre conosco, chamado “Jairo”, à quem meu pai, meio desajeitado com a língua portuguesa, denominava de “Jarro”.
Assim...Tínhamos o jarro para o líquido precioso (que ficava sobre uma mesa no canto da cozinha,sempre encoberto com um pequeno pano bordado e com frescurinhas de crochê pelas beiradas.Minha mãe adorava tecer estas “frescuras”) e o outro “Jarro” que, na língua de papai, era o meu amigo.
Segue o baile...
No meio da semana, meus padrinhos, de passagem por nossa casa,chegaram para fazer uma visita à comadre, já que o compadre ,por compromissos de trabalho no interior, só retornava aos sábados à tarde.
Conversa vai, conversa vem,chimarrão,rola um cafezinho.No entorno da mesa,minha mãe a certa altura da conversa, fala de sua saudade e preocupação com o esposo que permanece tanto tempo longe da família.
Ao que, e seu melhor estilo italiano, acompanhado a boa gargalhada meu padrinho atiça fogo.
-kkkkkkk Nem se incomode comadre ! Lhe asseguro que ele toma umas cervejas bem geladas com aquelas morenas bonitas e fogosas lá daquelas bandas.
[ A madrinha lhe dá uma catucada e diz entre dentes: “Cala essa boca, véio ]
Pronto.Estava armado o circo.
**************************************************
Tarde de sábado...
Chovia mansamente.
Todo sorridente e cheio de agradinhos papai adentra à casa.
É recebido com indiferença.
Minha mãe está “emburrada”, ou “ de beiço virado”, como se diz por aqui.
Logo ela que era tôda falante, fica alheia à presença do marido no melhor estilo “Tô nem aì”.
Ele não desiste.Quer saber o porquê a todo custo.
Ela nada responde !
Jairo e eu, nos retiramos e vamos martelar umas madeiras que farão nossos carrinhos.
A insistência continua !
Nada de resposta.
A voz vai se alterando, alterando, alteraaaando... Até que ela desabafa sobre a história das morenas, das cervejas, dos agarramentos,enfim...
Ele jura pela mãezinha.Quer ve-la morta! (Sequer se dá conta de que isso já ocorreu a alguns anos)
A coisa vai chegando às raias da baixaria e agora papai quer arrancar o fígado do compadre.
Chove fininho sobre o telhado.
A gritaria vai tomando consistência.
De repente sou chamado por meu pai com uma “certa sutileza”
- Thuteeeeeeeeeee ! Venha aqui agooooora !
O berro deve ter sido ouvido pela vila inteira.
Apresento-me na porta da cozinha.
Ele me ordena:
Vái já com o “Jarro” na casa do compadre, e mande ele vir imediatamente aqui.Vamos ! se mexa !
Tentei argumentar:
- Mas, pai ! O olho dágua é tão pertinho ! O padrinho mora a léguas daqui ! Porque ir buscar água lá naquela distância?
- Tô falando do “Jarro” e não discuta comigo,piá de
bosta.Tenho urgência de falar com aquele ( filho “daquela” que todos já sabem ,né?)
Sem mais discussão, derramei o que restava de água no jarro e fui saíndo meio murcho.Aos berros,meu pai explicou:
-O “Jarro” que tô falando é o “Jarro” seu amigo.Parece
que não me entende ! Leve –o em sua companhia, só isso!
Dou até uns trocos pra vocês.mas vão já.
Assim que “Jarro”- o amigo - de guarda chuva em punho chegara ao portão e estávamos prestes a encarar a missão, eis que todo garboso,montado em seu cavalo pampa, com chapéu de aba larga, bota e vestindo uma daquelas capas que encobrem até o traseiro do animal, surge meu padrinho, todo falante e alegre:
- E daí , minha gente.Tudo animado por aqui? Vim filar uma bóia ! Uma chuvinha destas combina com uma bela galinha com polenta, e ...Raditche, completou todo sorridente.
-Galinha com polenta é o que eu vou enfiar no teu foçinho,seu mentiroso...
[ Destruidor de laaaares, completa minha mãe de forma melodramática ]
Aí a coisa ferveu pela segunda vez.Falavam todos ao mesmo tempo, teve crise de choro, de tosse, um quase desmaio, enfim...
Cheios de tudo,meu amigo e eu, voltamos para o paiol na faina de confeccionar o carrinho.
Já era bem à tardinha quando fui inquerido, agora de forma doce, branda, afetiva:
-Thute ! Vá comprar um vinhozinho para a janta.
A cozinha rescendia à manjericão. Papai e padrinho jogavam cartas amistosamente na mesa da sala, mamãe cantarolava ao redor do fogão.
Estrada a fora, eu e o Jairo, ou “Jarro” ,não necessariamente nesta mesma ordem, íamos em busca do “vinhozinho” para acompanhar a galinha com polenta.
A noite caiu, a harmonia reinou e a janta estava deliciosa.
Nunca mais tive notícia do “Jarro”, meu amigo de infância.