Um outro dia
Depois que o namorado se foi, deixando-a aliviada, ela resolveu fazer uma série de coisas que vinha postergando há algum tempo. Redobrou as leituras, viajou, e, na chegada, dedicou-se ao trabalho. Um trabalho que lhe dava muita satisfação, as reportagens, a descoberta de pessoas que procurava desvendar ao mundo, ou, pelo menos, à cidade. Não queria namorar tão cedo e, fiel a essa proposta, buscou estreitar as relações com alguns conhecidos, com quem possuía afinidades.
Estava num período de plena adaptação à sua nova vida quando começou a frequentar um café, pequeno e simpático café, no centro. O recanto reunia algumas cabeças pensantes, entre apreciadores do café da casa, aposentados que vinham ver os amigos, leitores de jornal. Sim, porque um dos diferenciais do local era oferecer três jornais fresquinhos aos clientes. Isso a cativou, sempre que podia dava uma passada por lá.
De vez em quando, trocava umas palavras com o dono do negócio. Um senhor que já havia aberto e fechado cafés em mais de um lugar, gostava de escrever e estava a par de tudo que ocorria na cidade e no mundo. Um conhecido solteirão, que se mantinha sério, por vezes até carrancudo. Apenas sorria cá e lá enquanto falava com os amigos, deixando transparecer seu senso de humor.
Ele percebeu que ela se interessava pelos jornais. Com o tempo, oferecia-lhe um, quando chegava. Mas, ela queria sobretudo o jornal de P. Alegre, e às vezes algum leitor demorava muito na sua leitura. Sorvia o seu cafezinho e tinha de sair, as obrigações não lhe permitiam ficar muito tempo.
Um dia, ele veio sentar ao seu lado. Era um daqueles dias, e daqueles horários, em que poucos frequentadores ocupavam o café. Ela estava na fila de espera para o jornal, por isso se estendeu um pouco no local, revisou as redes sociais no celular, pediu outro expresso. Ele veio trazê-lo, como costumava fazer, puxou papo e terminou sentando. Aquela foi a primeira das conversas que entretiveram.
E, então, começaram a conversar mais frequentemente, no intervalo do atendimento aos clientes. Ela se espantava de estar desfrutando daqueles papos com um senhor que poderia talvez ser seu pai, e que se orgulhava de ter várias amigas. De que natureza, ela não sabia. Também não lhe interessava saber, porque o que mais apreciava era aquele mundo que ele lhe passava, as análises políticas que fazia, as recordações que ia desfiando, enquanto escorria o tempo.
Só muito mais tarde reconheceu a importância que, para ela, tinham aqueles encontros. Estava consciente do que sentia, mas, e do outro lado? Preferia levar o relacionamento amigável em frente, até que, de forma natural, as coisas se desvendassem. Mais uma de suas amigas? Sem dúvida, ele a considerava uma grande amiga. Deveria estar esperando-a para tratar dos últimos acontecimentos. Aliás, o último era um tanto quanto assustador. Um vírus grassava na China, um vírus chamava a atenção do mundo.
Daí a alguns dias, preparou-se para fazer progredir o relacionamento. Já tinham se encontrado na rua, já tinham parado em algum barzinho para conversar, já tinham aberto múltiplos sorrisos. Precisavam trocar números de telefone. Arrumou-se com mais cuidado do que normalmente, rumou para o café. E, então, encontrou o café fechado. Havia começado o distanciamento social.