Só mais três goles...
Assim que chegou ao bar, ela tirou o fone de ouvido da bolsa e colocou no celular. Ajeitou nas orelhas, como sempre, sem escutar música alguma. O que ela gostava mesmo era de não ser incomodada e os fones passavam essa mensagem (às vezes, pessoas incomodavam-na e nesses momentos, ela queria ser uma pedra, porque pedras não precisam ser).
Pediu uma dose de paranoia, a mais forte que tinha. Infelizmente, nela já não causava tanto, seu corpo já estava acostumado a sofrer nas madrugadas seu efeito. O que doía mais era a angústia de uma vida vazia. O que doía era não ter alguém pra chamar de seu, porque ela também não queria doar-se. Doía ter que fingir que não dói, então ela deleitava-se nas doses de paranoia, para sentir a ardência no peito e esquecer um pouco a verdadeira dor.
No primeiro gole, ela lembrou de quando alguém lhe falou "você parece não ter coração." Se ela tinha um coração, deixou de ter naquele momento, pois não viu aquilo como uma ofensa, e sim como um pedido. "Por favor, não tenha um coração para que eu possa te odiar com motivos..."
No segundo gole, ela reviveu o momento em que um rapaz sentiu-se atraído por ela, dizendo "você é má... gosto disso." Ela falava que não fazia a vontade de ninguém, mas naquele momento fez-se má, numa tentativa de fugir de sua bondade (a bondade a envergonhava). Ao lembrar disso, teve raiva. Foi o estopim para o terceiro gole.
E nele já não lembrou mais. Ela fantasiou e na fantasia passou o resto da noite. Ao sair do bar, já era tarde demais (ou cedo demais, dependendo do ponto de vista). Viu as estrelas e imaginou como seria bom se alguém lhe prometesse que lembraria dela sempre que visse uma estrela. Desandou.
Ela chegou em casa, apesar dos perigos que a noite oferece a uma mulher bêbada. Deitou-se na cama, rindo à toa. Dormiu, entrou em coma. Foi uma noite longa, noite que durou mais da metade um dia.
Porém, ao acordar, lembrou do vazio da cama. Era grande demais para uma pessoa só. Perguntou-se por que fazia isso, se o efeito durava tão pouco. Prometeu que nunca mais cairia nessa ilusão.
Na semana seguinte, fez tudo de novo.