Silêncio
Lembro-me da semana Santa de minha infância. Morava no campo. No sertão. Onde a natureza me acordava sorrindo, os pássaros docemente cantavam, nas árvores que cercavam a humilde casa de madeira, sem pintura, desbotada de tantas chuvas abençoadas, ou temporais! O chão era branco como o leite , lavados com sabão de abacate preparado por minha mãe. Nada era permitido. Cantar era o que eu mais gostava. Meu pai tocava violão toda noite para eu dormir. Minha mãe era uma cantora de primeira linha. Dessas que já não se encontram hoje na mídia. Coisa rara. Talento nato. Adorava esta parceria. Eram parceiros invencíveis, na vida e na arte! Embalados por suas doces canções-- Branca, Saudades de Matão, Sta Terezinha, e tantas outras, adormecíamos em nossos colchões de palha de milho, travesseiros de painas, macios, confortáveis. Não havia dor de coluna. Não havia crises de asma.Tudo era naturalmente saudável. Ecológica e emocionalmente correto!
Havia a reza do terço todo mês em nossa casa. Os colonos italianos adoravam estar conosco. Primeiro a devoção. Depois, a diversão. Minha mãe arrastava a mesa. Cobria o Santo, o pai pegava o violão, e o pessoal dançava até a lua adormecer.... Nas madrugadas frias de junho, Dona Chiquita preparava um chocolate quente, no fogão à lenha. Ai, aquele aroma, penetrava a alma! Aquecia os corações. O chocolate já não existe. Chamava-se xadrez. Era puro. Hoje eles acrescentam mil coisas e, de cacau mesmo, só a essência. Mas, na Sexta-feira Santa, não havia música.Não havia alegria.O azulão não cantava.As vacas não mugiam. As cigarrras dormitavam. O velho rádio de pilha era coberto com pano preto.O sino da capela emudecia. Silêncio sepulcral . E até as galinhas não botavam ovos! As pombinhas não namoravam! Não havia trabalho. Parávamos tudo! Nem assoviar podíamos --- às vezes dava uma vontade louca de sair assoviando a música que vinha à cabeça - minha mãe não permitia. Escutava longe na mata, um pássaro que cantava assim: SA CI PE RE RÊ - mamãe dizia que era coisa do demônio. Então ficávamos bem quietinhos. --Nada de cantoria. Nada de varrer a casa. --Hoje vamos comer paçoca e banana.-- Nada de acender o fogão-- Só silêncio e oração! E obedecíamos. Com profundo respeito à paixão e morte de Jesus.
Benvinda Palma