A morte do poeta

Mataram o poeta na calada da noite, mataram-no em virtude de uns poemas seus que andaram a circular entre as gentes, mataram-no por falta de compreensão, de leitura miúda, ele, o poeta, não fazia uma crítica declarada, mataram-no, apesar do corpo esmirrado e franzino que não podia fazer mal a ninguém, nem a uma mosca como dizem, mataram-no por carregar consigo algo muito mais perigoso que qualquer arma de grosso calibre, mataram-no por carregar em suas palavras o amor ao homem.

Não estava então falando de política ou da economia, estava em seu texto defendendo aos seus e a si mesmo, era preciso o exercício de salvar-se a si mesmo, e era isso que as palavras lhe davam. O poeta sabia-se um Sísifo carregando a sua pedra ao invés de encontrá-la em seu caminho.

“Não fazia mal a ninguém”

“Mataram nosso poeta”

O que se viu foi uma espécie de tragédia ou as duas últimas estrofes de um soneto amargo pelas ruas da cidade. Cidade essa que não prometia muito em seu tamanho, mas tinha um poeta.

As mulheres em saias, como já não se vê mais, e que lhes servia como meio de enxugar as mão tomadas pelas lágrimas e pela dor da perda.

“ Não devia ter mexido com gente grande”

Começou a circular o boato de que na verdade ele estava enrabichado com uma tal de Dolores, nome que parecia adequado a ocasião, e nomeava uma mulher desconhecida, apesar da cidade não ser grande. Entretanto de tanto falarem em Dolores, ela passou a existir. Chorou muito no velório, disseram.

No evento houve quem declamou um de seus poemas ou de outros grandes poetas para dar engrandecer ainda mais as homenagens ao poeta da cidade.

Já começava a circular nas rodas de velhos que se achavam importantes e assim o eram, a homenagem ao infeliz poeta, daria nome a velha praça que por esquecimento público nunca tivera um nome, como se ela tivesse esperado por anos a morte do poeta também.

As circunstâncias do fato impediam a polícia de investigar o caso. Falta de provas. Esperava-se algum empenho, mas os morros que cercavam a cidade não abafavam somente a alma de seus moradores.

O jornal da cidade demorou a pensar em qual seria as palavras usadas na manchete. “Poeta é assassinado”, “A morte do poeta” “Grande perda, poeta é assassinado”... A dúvida estava se pelo fato de ser um poeta pediria um título mais poético, mas tal título não veio a cabeça do jornalista e editor e dono do pasquim... Queria algo bonito que remetesse ao apagar de um luz. Talvez deixasse isso para o editorial.

O assassino, esse sim deixaria escapar em uma mesa de bar, anos mais tarde que fora ele que ceifara a vida do poeta.

__ Eu matei o poeta!

Não! Não há assassino algum!

Quem matou o poeta foi eu. Matei-o nessas linhas e salvei a mim mesmo nessa tarde de tédio, pelo menos por enquanto.