NUMA PRAÇA DE BELÉM DO PARÁ

Certo dia, um poeta chegou à Belém do Pará. Por que ele decidiu visitar a cidade? Porque ouviu falar que lá as mangas (sua fruta preferida) caíam do céu e foi lá conferir. Veio de barco, para aproveitar melhor a viagem, pois se os homens de negócio precisam de veículos rápidos para viver mais depressa, os poetas podem demorar-se, já que são seres que se alimentam de pedaços da eternidade.

Logo no barco, a magia aconteceu: nunca tinha visto águas tão barrentas e misteriosas. Lembrou de algo que leu e não sabia onde: o encontro das águas escuras do Rio Negro com as águas barrentas do Rio Solimões. Encontro esse que os paraenses sabem: são as lágrimas de dois amantes que não puderam ficar juntos e fizeram o choro de seu amor impossível ser um elo entre eles. O encontro das águas lembrou o poeta de uma antiga paixão que lhe arrancou o sono por muitas noites.

Ao chegar à cidade, andou do Porto até a feira do Ver o Peso, considerada uma das maiores feiras da América Latina. Logo foi seduzido pelas cores e cheiros a sua volta. Imerso no cheiro das ervas, no alvoroço das vozes, nas cores das frutas e temperos, ele sentia estímulos em todos os sentidos. O poeta sentia fome de conhecer, experimentar. Saiu andando sem rumo pela feira até chegar numa beirada que tinha um odor visceral de peixe. Perguntou onde estava a um moço e ele respondeu que lá era a pedra do peixe do Ver o Peso, onde os pescadores chegavam de madrugada vendendo peixes que em menos de duas horas de tempo sumiam.

Maravilhado, o poeta olhou a água e inspirou fundo o cheiro de peixe, pensando: "se trabalho tem um cheiro, é esse."

Andou um pouco mais e chegou à Praça do Relógio. Local esse em que o ápice de sua viagem teve início.

Ao andar pela praça, notou as árvores e entendeu porque ouviu falar que Belém era a cidade das mangueiras. Os galhos estavam carregados de mangas rosadas que saltaram aos olhos do poeta. No momento em que sentou, extasiado num banco da praça, uma manga caiu e quase lhe acertou a cabeça. Ele olhou-a como quem olha o destino. Era sua e de mais ninguém. Pegou-na mão e num ritual quase sagrado, puxou a casca com os dentes e sentiu o suco doce de quem quase lhe feriu.

Eram duas da tarde de uma terça feira numa praça de Belém do Pará. O poeta inventou o que chamamos feliz lambuzando-se com a manga enquanto o céu escuro anunciava o fim do mundo. Já tinham lhe falado que o céu de fim de mundo, em Belém, é só o começo da tarde. Sem desespero, ele continuou sentado, agora saciado, sob a bênção da chuva vespertina. E pensou: "Belém é uma morena receptiva que me encanta com sua beleza, me alimenta com sua presença e chora toda tarde, para mostrar que entende um poeta sofredor."

Gisely Sanctus
Enviado por Gisely Sanctus em 04/04/2020
Reeditado em 10/09/2020
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