Jantar

Uma mansinha chuva caia lá fora. Eram pingos mais parecidos e peneirados, tão finos, que passavam pelo fundo de uma agulha.

O cachorro latia freneticamente, próximo à porteira. Não era um cão apenas, mas três. O primeiro, da cor amarela, de pequeno tamanho, era o mais barulhento. Latia tanto, dava uns pequenos pulos para cima, que mais parecia um artista circense e procurando pelos aplausos. O segundo, um pouco maior e de cor preta, deu apenas dois latidos. O som era mais forte. Abanou o rabo e logo reconheceu que era amigo, quem ou quais estavam do outro lado da porteira. O terceiro, de cor branca, com pintas pretas, assemelhando a um panda, parecia estar emburrado. Não latia, nem mesmo abanava a calda. Tinha cara de nervoso, de rude. Não abria a boca, pois ele era enorme e também eram enormes a boca e os dentes.

Uma voz mais fraca, que soava de dentro da cozinha e chegando à janela disse:

- Chegam de latir, meus amigos cães. Hoje temos visitas que vieram lá da cidade. São os meus sobrinhos e minha irmã.

- Acalmem, porque todos são meus amigos. Se são os meus amigos, são amigos de vocês. Venham para cá e os deixem entrar.

Dona Benedita, assim conhecida carinhosamente, aparecia à janela. Com um pano branco enrolado e cobrindo os cabelos brancos, os óculos na cor clara. Vestia-se um lindo vestido na cor cinza. Era comprido e sobre ele estava um velho avental pendurado sobre o pescoço, que as alças se misturavam a um terço, que foi ganho de presente de aniversário, bem amarrado com um laço nas costas. Calçava um par de chinelos. Os pés eram cobertos por um par de meias, pois, mesmo no verão, com aquela pequena garoa que caia, a temperatura estava um pouco baixa. Fazia um leve e suave frio. É frio de verão.

- Meus queridos. Quanto tempo não os vejo. Estão todos bem. Como estão os outros lá na cidade. Por quê eles não vieram. Espero que mandaram boas notícias, pois não quero saber de notícias ruins.

Voz mansa, calma e tranquila. Dona Benedita falava mansinho, como se estivesse declamando uma linda e prazerosa poesia de Carlos D. de Andrade. Ou, talvez, uma pequena fábula de Emília, contada pela inesquecível Dona Benta, de Monteiro Lobato.

- Venham, vamos chegar.

- Não se reparem de meu estado. Estou preparando o jantar. Hoje, como vocês estão vendo em minhas mãos, deu-me vontade de comer uma galinha bem cozida. Estou tirando as penas dela. Vou prepará-la com enorme carinho, porque hoje tenho vocês, minhas lindas e encantadas visitas.

- A galinha será temperada, cozida e acompanhada por uma sopa de macarrão. Eu gosto do macarrão conhecido por goela de pato. Este é bem grande, com cortes de quase cinco centímetros. Será cozido após o cozimento da galinha. Vou explicar:

- A galinha será cozida pelo fogo do fogão de lenha. A panela de ferro, bem perto de mim, de capacidade de cinco litros, estará no fogão esquentando. Vou colocar os temperos, tais como alho, sal, cebolinha verde, louro, cebola de cabeça, algumas folhinhas de manjericão, folhas secas de alecrim, limão, pimentinha preta, pimentão colhido aqui na minha horta e um pouquinho de vinagre. Vou refogar bem a galinha. A gordura dela será o combustível para refogar. Olhem, estes pedaços estão muito gordos. Vejam a gordura.

O tempo ia passando e Dona Benedita estava cada vez mais feliz. Iria jantar uma galinha gorda na sopa de macarrão. A sopa, para ela, tinha os seguintes ingredientes: Muito alho, cebola de folha, algumas folhas de couve rasgada, batatas, tomatinhos. Todos os ingredientes são de produção da fazenda. Ela não podia esquecer o arroz bem soltinho, feito com banha de porco, com muito tempero e o angu, que somente ela sabia fazer, de fubá de milho novo, colhido antecipadamente.

Para a sobremesa, já estava feito o doce de leite bem amarelo, feito após o almoço, já espalhado na tábua, coberto por uma camada de farinha de coco ralado. Não poderia esquecer do queijo, bem fresquinho, feito horas antes, com pouco sal e com a massa de leite gordo.

Dona Benedita bebia antes do jantar duas colheres de cachaça pura, produzida na própria fazenda. Jamais ficou embriagada e dizia beber para ter mais apetite e matar os vermes.

Os minutos foram passando. De vez em quando, ela se levantava e aumentava mais o fogo. Punha mais água na panela, dava algumas mexidas na galinha. Lentamente lavava o macarrão e o colocava de molho na água. Trocava a água por diversas vezes.

Os casos eram contados e ela sempre queria saber das notícias dos parentes e amigos da cidade.

Ela se levantou, mais uma vez, e disse que não iria arrumar o café, pois se bebermos café, não teremos fome e jamais poderíamos deliciar do jantar. Arrumou mais o fogo e pediu licença para ir ao banho. Foi rápido e logo estava de volta. Sem os trajes de mais cedo, com uma roupa limpa e bem agasalhada, ela foi logo dizendo que o jantar estava quase pronto. Os filhos já estavam chegando das labutas da fazenda. Iriam tomar banho. Um a um, eles chegaram. Com as esposas, pois eram dois filhos dela. Eram recém casados e as esposas estavam grávidas de quatro meses. Dona Benedita morava na fazenda com o marido. Ele estava trabalhando com os filhos. Os filhos moravam próximos à fazenda, mas tomavam café, almoçavam e jantavam todos, ali, na fazenda. Era o costume.

As conversas se estendiam por bastante tempo. Logo foram interrompidas com a anfitriã dizendo:

- Meus amores (expressão que ela dizia a todos).

- O jantar está servido. Venham todos, pois esta é a grande noite para mim.

- Bom apetite a todos.

Saborearam o jantar. A sopa de macarrão estava deliciosa. Comeram toda e logo se deliciaram com o doce de leite com queijo.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 28/03/2020
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