Angústia
Tenho um vizinho alagoano.
Palmarino, alagoano de pura cepa:
come cuscuz-de-milho 3 vezes ao dia
(comeria 4 vezes, se a empresa onde trampa
não desse janta),
sotaque afiado feito navalha, fala tão rápida
que ainda não inventaram tecla SAP
para tradução
e se veste como capiau.
Seu cafofo é parede, parede com o meu.
Ontem o desgraçado bateu na minha porta
passada meia-noite.
Perguntei quem era, ele disse.
Negão, febre do rato, abre aí.
Me dá uma colher de margarina,
quero fritar ovo.
Abri a porta.
Eu estava de papo com Dostoievski. Ele viu
e perguntou.
Que desgraça é essa aí?
Graciliano é melhor, não é? Perguntei.
Que desgraça é Graciliano?
Abri a geladeira, peguei a vasilha da margarina
e entreguei.
Não quero isso tudo, é só uma colher, desgraça.
Leve tudo vizinho, leve tudo, falei.
Fechei a porta, pus Dostoievski para dormir
e fui descansar meu espírito fadigado
depois de tanta desgraça..