AS IRMÃZINHAS
Elas não tinham nada a haver com as de Tchekov nem numa versão moderna do teatro experimental arrastando longos vestidos verdes e côr de salmão desmaiados, debruados com muitas rendas e sedas nem se pareciam com as flores fanadas do grande império russo em decadência. Nem sequer lembravam as quatro adoráveis beatas de Germaine Acremant em “As solteironas de chapéu verde”.
Eram minhotas.Mulheres de fibra.
O Presidente vestiu o polo côr de rosa para parecer mais novo e inocente, todo empolgado por ir fazer uma entrada triunfal no programa da Mena, o mais popular e mais visto de todos os canais, depois de uma quarentena auto-imposta fugindo de braços no ar ao perigo do contágio com a ameaçadora pandemia decretada.
A Mena que começara como comerciante na Feira do Relógio, tirara um curso superior à distância e chegara a primeira apresentadora de televisão, recrutara um jovem actor em ascenção para lhe dar uma massagem de pé, corpo a corpo e desfrutava o esforço atrás de um cenário esquecido ao fundo do estúdio.Era uma espécie de lenitivo para lhe dar confiança e fazer subir a adrenalina, tão necessária para enfrentar milhões de almas que adoravam os seus passatempos idiotas.
- Ai que já explodi e é hoje que eu ponho o Presidente a tomar duche em direto…
- Grande maluca que não esperaste por mim! – disse o homem prestes a sucumbir mas que ficou a meio e que, como vingança, lhe apalpou zangado os seios no caminho para a sala de caracterização.
- Larga-me!Deixa-me!Vai á tesouraria levantar o teu cachet – gritou-lhe a Mena e soltou uma das suas gargalhadas inconfundíveis.
As três irmãs entravam nos seus sixties mas tinham sido todas génios académicos em Medicina, Filologia Românica e Economia.O problema era entre elas.As filhas de Dona Constança de Sá Mesquita e de um advogado rural com uma ligeira propensão para a violência doméstica, constituíam um estudo de caso. Sério!
Desde pequenas que a nenhuma podia ser oferecida uma simples boneca que as outras atiravam-se que nem gato a bofe e passados minutos já não havia nada, com pernas e braços arrancados e olhos de vidro a rebolar pelo chão e as três desfeitas em pranto.
O papá não se ensaiava e corria à bofetada todas as que estivessem à mão, incluindo as criadas, as colegas,as amigas das filhas em visita e até D.Constança que aparecia amiúde ao jantar muito digna mas com um olho negro.
Joana era a mais velha, a cabeça de casal e não confiava nas irmãs nem lhes passava cartão sobre a administração da ainda indivisa e poderosa herança que gerava rendas e rendimentos consideráveis.Tentara mesmo atropelar a irmã Laura quando ela tivera o descaramento de questioná-la sobre a apresentação devida das contas.
Laura,por um lado, tinha sido sempre excêntrica e desbragada apesar de manter as suas notas altas no percurso estudantil.Fugira enfadada, aos dez anos para casa da Avó, uma vestuta senhora de xale e broche das famílias mais antigas e respeitadas do Norte.Insistira em criar um carneiro dentro de casa que marrava em toda a gente que batia á porta e que terminou tragicamente com uma queda monumental na enorme escadaria da entrada.Mas fez um casamento tradicional com um antigo Colega e parecia ter finalmente assentado quando, durante a dança de um malhão no grupo de folclore em que acabara de ingressar por puro tédio, sentira um furor tão violento por um macho rude e bem apessoado que tocava gaita de foles que deixou o marido e os filhos e não descansou enquanto não ficou prenha da impressionante besta.
Telcídia, a terceira e a mais nova também era inconstante e agressiva e não se coibia de dar pontapés e gritar na sequência de qualquer discussão que se iniciasse mesmo por um motivo insignificante.O seu único calmante era o piano de cauda que a acompanhara toda a vida e que uma vez fora içado a um segundo andar fazendo parar uma pequena multidão a observar a manobra em Viana do Castelo à hora do expediente.Telcídia quisera matar-se de vergonha.
O ponto crítico do conflito e da guerra reacendida prendia-se na actualidade com a tia Juju,a irmã nonagenária da falecida mãe das três senhoras, uma milionária solteira e sem descendência e a que Joana tinha conseguido esconder e tornar inacessível ás Irmãs, internando-a numa Residência Senior de luxo, depois das três se terem envolvido numa restolhada de encontrões no último aniversário da veneranda anciã durante uma visita ao ultimo lar de provincia onde se acolhera.
Mena convidara-os para o seu programa para debater o porquê de toda aquela desarmonia e querela familiares agora que as outras irmãs tinham metido acções contra a mais velha por cárcere privado, rapto e apoio á vítima, num espantoso cúmulo juríco.Convidara mesmo um especialista em Leis e um psicólogo bolachudo para comentarem.
No Palácio, as ordens tinham sido inequívocas e os conselheiros e pessoal ralavam-se:
- Este ano há eleições e se houver recandidatura, não podemos deixá-lo à solta naquele estilo entre primeira dama e papa popular.
- Não o deixem sair para a rua!
- Não resiste em aparecer na televisão nos programas mais inadequados.Mas que tara mais esquisita!
- Ainda se baba como da outra vez e então quero ver o gozo nas redes sociais!
No estúdio A estava tudo a postos com as senhoras do falso público todas penteadas á pressa e sentadas com um safanão em duas filas, os assistentes de produção a organizarem a entrada dos convidados e Mena a rever o alinhamento com o realizador.
O anúncio do shampoo para a caspa compulsiva com o deus do futebol a coçar-se cheio de comichão terminou e o programa entrou no Ar com uma revoada de aplausos das senhoras que obedeceram á ordem do cartaz empunhado pela assistente de produção.
Chegou o momento e as três irmãs de chapéu e toilettes caras das costureiras e boutiques da moda fizeram a sua entrada majestosa sem olharem umas para as outras, sentando-se as três no sofá comprido mas mantendo uma distância de segurança umas das outras.
Mena inexplicavelmente gaguejou mas a entrevista até parecia correr bem dada a natureza da questão controvertida em debate.
Joana interrompeu-a e resumiu:
-O que as minhas prezadas irmãs parecem cobiçar e os sinais sempre se manifestaram foi deitar a mão à fortuna da nossa Tia, tendência que eu, como cabeça de casal ,sempre tentei contrariar.
Inesperadamente Laurinha exalou um suspirou profundo e audível e deu uma pisadela deliberada na canela da irmã que abafou um palavrão arrepiante que desorientou a manipulação dos cartazes à assistente de produção, fazendo com que as senhoras do público a fingir rompessem num aplauso despropositado.
Foi a gota de água.Telcídia irada levantou-se:
-Já não aguento mais esta…(novo palavrão irrepetível e uma gargalhada geral das mulheres a ficarem cada vez mais dominadas pela histeria e um par de tabefes e puxão de cabelos às irmãs).
Mena ainda tentou em vão acalmar os ânimos.
- Minhas senhoras eu apelo ao vosso discernimento…- e sem conseguir articular mais uma sílaba que fosse, recebeu um soco de Joana que a deixou prostrada e à roda no meio dos decors cheios de estrelas.
- Eu vou interromper já a emissão – berrou o realizador no estúdio.
- Não!!!!! – vociferou o produtor – está toda a gente a mudar de canal para ver isto.As audiências estão a subir em flecha!50…60…75 por cento…o céu é o limite.
O jurista e o psicólogo escapuliam-se de gatas para os bastidores apanhados por um operador de câmera embasbacado enquanto as mulheres gritavam descontroladas “Tirem-nos daqui!”e o caos se instalava á velocidade da luz.
Era pior que “O deus da Matança” da Yasmine Reza.Inexplicável, absurdo e assustador…
Entretanto o presidente ajeitou as calças engomadas e tentou sair sem ser visto pela porta das traseiras do palácio rumo à estação televisiva e ao programa da Mena transformado num vulcão em atividade.Mas mal abriu a porta e sentiu a luz do sol bater-lhe de frente avistou os dois seguranças de fato preto e óculos escuros que firme e inequivocamente lhe acenaram com a cabeça a dizer que não.