Mestrado é coisa besta

O pobre homem procurava o mundo acadêmico com aquela vontade de estudar e receber quem sabe, destes governos poucos sentimentais (para com a saúde e a educação) um breve aumento. A região oferece um vasto campo para formação do homem do sul, estudaria o Rei dos Minuanos e a vasta tribo. Tinha seus fatos como objetos, típicos da historiografia, que deseja analisar. Estudar.

Tudo possui Edital. Precisava escrever vinte páginas sobre o tema escolhido. Seu tema era este: ”Esta cidade possui muitos fundadores”. Estudaria a cidade de seu interesse, mas que interesse teria a faculdade de mestrado em história profissional neste assunto? Pessoas maduras são péssimas porque elas pensam. Poderia ter sido isto, até racismo, sei lá.

O velhinho professor era bom. Produziu vinte páginas de conteúdo sobre a vasta extensão pertencente ao Tratado de 1777, discorreu em formato editorial, capítulos arrumadinhos, citou autores da moda, utilizou palavras como “paradigmas”, “epistemologia” “eurocentrismo”, e confessava sua sensibilidade heurística na pesquisa e interrogação sobre o período do Soares. O período do Soares seria devassado até o falecimento da sua esposa em São José do Norte. Ele foi o fundador.

Conversando ainda hoje ele baba furioso. O mestrado em história profissional é babaquice intelectual que deve ser eliminada dos cursos superiores! Só cria normas específicas, rigorismos draconianos, transfiguram a alma histórica numa plataforma desumana e fascista. Quando estava de boas gracejava: Teria o Soares querido criar uma cidade apenas para dá-la de presente ao amigo para que tivesse um único título na vida de fundador? Na pós-graduação alcançara a nota oitenta com este tema. Para ser mestre era preciso aprofundá-lo. Assim pensava.

De fato enviou vinte páginas, muito bem elaboradas sem saber se os artigos chegariam atrapalhados no final do decurso maquínico. Dentro das normas possíveis e impossíveis da ABNT, esta sendo o verdadeiro terror nacional da inteligência estudiosa brasileira em plena era do micro. Até então tudo certo. Enviou e esperou a resposta. A resposta surgiria com o nome dos homologados. Riu: Certa criatura alcançou a nota 1 e não era um primeiro lugar. De cara entendeu que faculdade não era para velhinhos.

Estava homologado entre uns dezoito novos velhinhos. Fisionomias de quem dançariam em torno de cadeiras alquebradas para poder sentar na sala vazia e lotada de novas cadeiras. O antônimo de homologado é obstaculizado ou desomologado? Ele constava na lista dos “homologados” o mesmo nome do professor obstaculizado em seu direito de realizar a prova. Na mesma página constava: homologados, imprimir e pagar. Pagar e se tocar para a prova neste dia, nesta hora, naquele pavilhão, naquele bairro. Trezentos quilômetros dali.

Perto da prova dormiu de domingo para segunda ouvindo o zunido infernal da nuvem de mosquitos da Lagoa dos Patos e o infinito motor das canoas passando noite adentro. Mosquitos graduados e acadêmicos experimentaram seu sangue gordo e vermelho. Anos mais tarde continuaria furioso, beberia mais ainda, a cerveja espumando pela boca: O Edital não é claro. Deviam tratar como fichas numa jogatina: Você ganhou apenas trinta fichas enquanto deveria ter setenta. Caia fora da academia, velhinho. O teu pré-projeto era... E dispensaram-no no lixo. Olha, nem leram. Atrás da máquina fazem o que bem entendem. A única cara de mestre em história que você merece, velhinho, é a de mestre-da-sala-dos mares.

O maldito Edital devia ter esse item onde diz que menos de setenta pontos o camarada devia ficar em casa coçando a cabeça do tiziu. Precisava de alguém maioral para que lhe mostrasse e declarasse: leia isto aqui! Leu? Está vendo? Isto é o que quer dizer. Se não é ficará sendo assim e tchau. Essa é a nossa liberalidade acadêmica. É melhor ficar mesmo em casa coçando a cabecinha do tiziu. Ele depois volta sozinho prá gaiola.

Para o inferno os rigores de reprovação por 0,5 milímetros de historia universal desses robóticos professores universitários. Ridículos e necessitados de um sisudo desempenho na teatralidade didática adulta. Mas tu não lestes, ó burrão? Vós percorrestes trezentos quilômetros para tentar “estudar mais”, “suar ridiculamente mais”, além dos teus já assoberbados trabalhos. Mil crianças gritando nas aulas cotidianas. Está no Edital. Média 70, tirastes 30. Vá para os diabos que uma mão só lhe impediu ciciando: Você não vai fazer esta prova.

Nunca imaginou que isto pudesse ocorrer depois de adulto. Levaram-no cem reais com grande facilidade. Não digo que a senhora doutora não tenha lhe tocado o breve falsete de atordoada ao lhe ver, puxando-lhe para o canto da tortura: O senhor não vai fazer a prova. Ciciado. Não, disse a senhora. Esta prova o senhor não vai fazer. Tentou ser delicada, porém constrangimentos impossíveis.

Sujeito que leva nome de professor e que viajou trezentos quilômetros, pagou hotel, táxi, taxa para participar das etapas. E é impedido de fazer a prova... Tinha watzap era só avisar: não venha. Por que não posso fazer a prova? Respondeu evasiva. O pré-projeto não condiz com as diretrizes ou normas ou moldes da nossa instituição. Disse qualquer coisa barata que desviasse dos cem reais desembolsados. Despendeu cem reais porque constava na lista dos homologados, disse. Sentiu vontade de chorar e ser ao mesmo tempo o Assis Chateaubriand. Velhotes burrões esqueçam este negócio de mestrado que é fantasia e pompa. Tomem uísque, façam canções.

Dormiu num cubículo cujo estalajadeiro esqueceu-se de lhe acordar na hora devida. Havia dois policiais no saguão do hotelito. Evitou saber o que estavam fazendo ali. Por si só acordou e herói atingiu o horário regulamentar. O senhor não pode fazer esta prova. O senhor não pode fazer esta prova. O senhor não pode fazer esta prova. O senhor não pode fazer esta prova. Desesperador.

Como? Solicitou naturalmente explicações: - Bem, é assim: O senhor foi homologado, mas não atingiu a média. Cada etapa manda a próxima para o inferno. Você escreveu vinte páginas inúteis, perdeu cem reais, e sequer poderá fazer a prova. Após ter estudado vinte livros obrigatórios. O próximo lance deverá ser matar o dragão manco num corredor labiríntico cheio de provetas. Sem quebrar nenhuma ordem que diga em édito: O senhor não pode fazer esta prova. Quer as faculdades profissionalizar assim os professores. Bateu com a mão espalmada na coxa como rebenque em si mesmo.

Foi “homologado” e “desomologado” (obstaculizado) em pouco tempo para tomar decisões. Professor impedido de realizar a prova contra si mesmo. Extra! Extra! O pesadelo redundava hipóteses? Ora ele vencia, ora o Édito lhe esbofeteava com frase curta e perdida. O tempo era curto para recorrer e fragmentava-se com a hipótese intermediária do fim de semana. Pior seria um empate do Grenal. Estava tudo perdido. O mestrado havia desaparecido. Retornaria trezentos quilômetros tristonho com a ideia do mestrado fugindo pela paisagem fria e desolada da sua cabeça burra de terneiro bagual. Quem mandou querer estudar? Compreendeu que mestrado é coisa besta, muito besta mesmo.

Ortega y GASSET já falava mal das universidades europeias.

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