Mão de Quiabo.

Marcio cruzou a bola de um lado ao outro do campo, um lançamento preciso que lhe valeu aplausos da humilde e distinta platéia postada na frente do buteco do Sr. Pedro na lateral direita do campo. Do outro lado no Bar do Thomaz tinha bem mais gente, uma verdadeira mini-multidão torcendo pelo scrap do Jorjão Materiais de Construção.

O time da Vila do Cafa ao qual Marcio defendia as cores estava botando pressão, dois atacantes jogando enfiados no meio da zagueirada adversária, dois laterais fazendo a função de alas subindo ao ataque constantemente. O Gol, este teimava em não sair. De pé em pé a bola chegou até o Tatá que comandava o ataque, um corte seco em forma de concha no defensor e uma batida firme no canto direito do goleiro.

Começava neste momento a fazer sua fama o goleiro Mão de Quiabo, sempre presente nas peladas de várzea e campeonatos amadores. Conhecido por todos por possuir mãos furadas e lisas como baba de quiabo, sofria muito com os termos pejorativos e ofensivos gritados pela torcida do outro time, mesmo assim nunca desistia até quando tomava um dos seus característicos frangos.

Destino para alguns, sorte para outros, macumba e feitiçaria na opinião da minoria. O certo é que naquele lance Mão de Quiabo saltou na bola com extrema vontade, jogando-a para escanteio evitando o golaço de Tatá e batendo com violência com a cabeça na trave. Toda torcida se aproximou invadindo o campo para ver o que havia acontecido, o goleiro se levantou olhou para todos ao seu redor e mandou se fuderem e saírem de dentro do campo, com o dedo do meio da mão apontado pra cima.

Na cobrança de escanteio o goleirão saltou na cabeça do atacante num vôo de eximia plasticidade, quando atingiu o chão rolou duas cambotas e se levantou com o impulso do braço que lançou a bola. Promovendo um contra ataque certeiro, a bola lançada por suas mãos encontrou sozinho o Zizinho que cara a cara com o goleiro não perdoa.

A pequena torcida delirou, gritando gol com toda a força dos pulmões, a final do campeonato atraia muitos espectadores, mas da Vila do Cafa vieram poucos torcedores devido à distância. O que não impedia que todos os outros expectadores fossem abafados pelo estridente grito de comemoração, nego chegou a chorar de emoção.

Inacreditável que no decorrer da partida as defesas de Mão de Quiabo foram seguidas, cada uma mais bela que a outra, verdadeira apresentação de gala. Fechou a meta buscando as bolas mais distantes, se esticou todo para alcançar a que tinha endereço certo, o ângulo. Saiu do gol fechando o ângulo, tirando o espaço, travando o chute e no pé dos atacantes.

Houve um momento em que foi bombardeado, cai e com a ponta dos pés defendeu um chute de Valdomiro, a bola sobrou na lateral e Juninho deu um drible da vaca em Milton que caiu sentado e só viu de relance o chute de Juninho que Mão de Quiabo espalmou. Sambalançou num pulo de lado minhocal e espalmou o outro chute de Valdomiro que chegou batendo com toda a violência, a pelota sobrou na entrada da área nos pés de Nonato que arrematou no ato um foguete destes que sobem e do nada caem com maior velocidade.

Novamente Mão de Quiabo saltou em direção a bola e espalmou para escanteio. O empate favorecia o time do Jorjão Materiais de Construção, por ter feito campanha mais regular no campeonato e ter maior saldo de gols, primeiro critério para desempate. Na várzea são oito na linha e um no gol, os tempos duram 30 minutos e não existe impedimento.

Já se passavam os 27 minutos do segundo tempo, o juiz caminha aponta o escanteio e Valdomiro faz a área, cobra com o lado interno do pé na cabeça de Betão que cabeceia no chão com força sem chances pra Mão de Quiabo que salta se esticando todo atrás da pelota. Em cima da linha estava postado Zuca que deu um chutão salvador da pátria pra longe da meta, Mão de Quiabo se jogou com tamanha energia que atingiu uma cabeçada direta na trave.

Levantou-se com dificuldade e enxergou tudo turvo, baixou a cabeça e o meladão desceu do nariz, inclinaram para trás aquela napa e o sangue cessou. Meterem um algodão no canal nasal o que estancou o sangramento, o juiz anunciou 1 minuto de acréscimo. Todos gritaram no banco de reservas pedindo o fim da partida, mas o juiz era criterioso e mandou o jogo correr, pelos pés de Valdomiro o time do Jorjão Materiais de Construção veio para cima no que seria a ultima jogada da partida.

Valdomiro passou por um defensor e da entrada da área chutou fraquinho a bola mascada, Mão de Quiabo abaixou e quando fez o caracol para recolher a pingativa bola só viu escuridão, viu novamente a luz e a bola entrando mansamente na sua meta. Levantou-se e viu a torcida revoltada invadindo o campo, soltou o corpão e pimba.

Rachou a cabeça no posto simulando um desmaio, quando estava sendo carregado pela maca abriu um dos olhos para ver se a multidão já havia desaparecido. O maqueiro perguntou o porquê ele fingiu o desmaio, Mão de Quiabo prontamente respondeu: “Antes ser um herói desmaiado que um frango depenado”.

Marco Cardoso
Enviado por Marco Cardoso em 08/11/2005
Código do texto: T68871