Aos 50, ou, #TBT dos 40

Cinquentei.

Importante expressar-se assim com esses neologismos descolados, adequados a esses dias em que é cool pegar uma base nominal e travesti-la de verbo, como "sextou", "sabadou"... tá ligado?

Cuidando apenas para não usar o “SEX TO U” com gringos, porque pode haver mal entendido...

Enfim, a gente vai se adequando...

Quando ouvi o primeiro "tô de boa", por exemplo, achei que não tinha ouvido direito e na verdade era "tô numa boa", que aliás já era bem moderninho pra quem ainda estava "numa nice". Tava criado o "tô de boa", com a variação do "deu boa", usado pra quando a coisa rolou legal. Beleza, vou agregando ao meu vocabulário, mesmo que, a princípio, soe meio falso, ou melhor, fake. Porque não quero ser uma cinquentona com linguajar do arco da velha, careta, anos 80, chata de galocha que acha que tá arrebentando a boca do balão, fingindo que tá tudo chuchu beleza, chocrível, mas na verdade tá é cheia de grilos na cuca. É de lascar o cano... é fogo na roupa!

Roupa. Esse é outro item que merece atualização constante. Com cinquenta você não quer se parecer como a sua tia de 50, apesar de agora VOCÊ ser a tia de 50, nem como a sua sobrinha de 20, embora VOCÊ ainda se ache com 20. A questão exige sabedoria, o que, você, do alto dos seus 5.0, já adquiriu, é claro! !! Bingo! Sabe que deve se vestir de maneira sóbria mas não antiquada, jovial mas sem parecer uma paquita da terceira idade, sensual sem virar baranga piriguete. Mas acima de tudo, você já entendeu que o mais importante mesmo meeesmo, é o conforto. Enfim, após sabiamente considerar todos esses fatores, você está pronta! e no espelho... tcharam.... sua tia cinquentona.

Os cinquenta despencaram na minha cabeça diferente dos quarenta. Talvez já estivesse mais resignada... me sentindo até meio privilegiada, porque tem uns que ficaram pelo caminho...

Nos quarenta, quem me chamasse de "senhora" teria até sua décima quinta geração amaldiçoada; agora, quando eventualmente alguém me chama de "você", vira meu bff (best friend forever, para os não antenados).

Corria. É um pretérito imperfeito, dizem meus joelhos. Agora fortaleço! meus cinquentenários bíceps, tríceps, quadríceps, o espírito, o filtro solar, as amizades, o amor-próprio, a fé na vida e... tô de boa.

Descobri que com meio século você fica mais valioso, pelo menos é o que reflete o salto olímpico da mensalidade do plano de saúde. A pele também torna-se especial, não à tôa seus cremes agora devem ser 50+, para peles maduras. Sim, como um maracujá você amadureceu e sua pele veio colada junto. Os cremes são mais caros, obviamente, afinal, imagine todo o empenho da cosmetologia para impedir que a inexorabilidade e a oxibilidade do tempo engruvinhem sua cara.

Cara mesmo é a vida dos que envelhecem. Fui à dentista outro dia, resolver coisinha simples, obturação quebrada, afinal a gente superou a geração da dentadura mas demorou a ser apresentado ao fio dental, portanto, somos a geração da obturação, o que, torço, já tenha sido superado também. Enfim, além da tal obturação, com a sutileza de um bom vendedor, após elogiar meu sorriso, a dentista sugeriu dar uma clareada nos marfins, cuja cor, segundo ela, delata o excesso de café e vinho. Além disso, apesar de afirmar que minha pele demonstrava bem menos de 50, aliviando a próxima estocada, sugeriu instalar um fio de ouro para sustentar as bochechas caídas de buldogue. Me explicou que fazia “harmonização facial”, o que quer que isso signifique... disse também que eu tinha um semblante muito agradável, e a essa altura eu já havia entendido sua técnica, passar um paninho pra depois vir pro ataque, então... apesar do semblante agradável e pacífico, minha glabela mostrava o contrário, o que poderia ser suavizado com um botox didático que impediria minha expressão de brava, concluiu a harmonizadora. Nem sabia que tinha, ou o que era, uma glabela. É aquele espaço entre as sobrancelhas, aquele onde a Frida Kahlo criava uma taturana. Sábia Frida. Duvido que alguma harmonizadora teria coragem de falar pra ela qualquer coisa que desabonasse sua glabela. Ela teria descido o braço.

Saindo da dentista, ainda zonza com o orçamento e a descoberta de uma glabela, na rua, do nada, veio pra cima de mim um redemoinho de pó, daqueles que antigamente diziam que tinha um saci dentro. Então... o saci entrou no meu olho. E quanto mais eu esfregava o olho, mais o travêsso se acomodava. Consegui consulta urgente com um oftalmo. Na sala de espera, sentada segurando um lenço de papel no olho ensacizado, ouço a secretária gritar de lá: “a mulher do corpo estranho pode entrar!”. Levantei constrangida mas resignada e fui, afinal, se a cara, que eu até cuido, não estava harmônica, imagina o resto. Mais tarde, para me consolar, decidi que, ao dizer “corpo estranho”, ela se referira ao Saci e não a mim. Melhor assim.

Mas a idade não é de todo ruim. Ela traz salvos-condutos. A gente vai se libertando de exigências nossas e dos outros. O que tinha que ser já foi, ou não. Você fez o que deu, como pôde. Claro que muito ainda pode ser feito, afinal você transborda libido, mas sem aquele desespero juvenil de TER que fazer as escolhas certas. Agora você pode errar sem se sentir a mosca do cocô do cavalo do bandido. Você se banca, em todos os aspectos. Por baixo da tintura há cabelos brancos sim, e isso é digno de todo respeito!

Senhora! Senhora de si, do seu nariz, da sua glabela, da sua vida. Pode chamar de Senhora, quase gosto.

Nem acredito que cheguei nos 50, parecia tão longe... e parece que passou tão rápido... Pelo jeito a vida é isso mesmo, quando vê já foi, um punhadinho de areia que a gente tenta segurar e, enquanto ele está na mão, a gente segue procurando conchinhas.

rofidelis
Enviado por rofidelis em 13/03/2020
Reeditado em 14/03/2020
Código do texto: T6886921
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