MULHERES

*Por Herick Limoni

Trabalho em um órgão público. Chefio uma diminuta equipe de três pessoas. Três mulheres. Múltiplas personalidades.

Duas são caladas. A mim isso também espanta! Em uma tríade do sexo feminino, isso não é comum. Aliás, é bem incomum que dois terços, ou 66,6% de qualquer grupo de mulher, seja ele do tamanho que for, tenham essa característica. Não que mulheres falem demais. Isso é mito. São os homens que falam de menos. Chego a pensar que se fosse eu também uma mulher, a situação seria diferente. Ali, penso, sou como a unha encravada, a visita indesejada, a sogra hospedada na casa do genro. Por ser homem, e chefe, acredito inibi-las e intimidá-las, um pouco. Talvez muito. Fosse eu também uma mulher, creio, quase certamente, que tudo seria diferente. Seríamos quatro preenchendo o espaço de pouco mais de quarenta metros quadrados com todo tipo de assunto, do trivial almoço de domingo às preocupações com os maridos, namorados, filhos, casa etc. Pareceríamos iguais, em toda a nossa singularidade. Mas não. Creio que seja mesmo a personalidade das caladas que as faz diferentes da outra.

A terceira, essa sim, uma típica representante do gênero. Fala pelos cotovelos, como se diz. Não raro desarmoniza o harmônico ambiente de trabalho. Mas também lhe traz alegria, quebra-lhe por vezes a sisudez reinante, o ar pesado, tal como o céu em dias de tempestade. Poder-se-ia dizer que sofre de algo que poderia ser chamado de psitacismo verborrágico, pleonasticamente falando. Nada diferente de grande parte das mulheres.

Exercemos nossas atividades laborais em uma estação de trabalho. São quatro mesas, unidas umas às outras, em um formato de cruz, de modo que um sempre tem contato visual com o outro. Se você, mulher, estiver naqueles dias em que não quer ver ninguém, esqueça! Terá, como em todos os outros dias de trabalho, de contentar-se a contemplar a paisagem dos rostos de seus colegas, sejam eles feios ou não. Não há saída, ou melhor, até há, mas não seria nada elegante, pois antolhos já são horrorosos em cavalos, imagina em humanos! Tais estacões são projetadas para gerar interação. Esquece-se, contudo, que existem momentos em que precisamos de solidão.

Certo dia uma delas começou a chorar sem motivo aparente. Mas sabemos que ninguém chora sem motivos. Nem que seja para dar a impressão de que se está chorando. A essas pessoas chamamos atores. Percebendo a situação da terceira, as demais colegas, primeira e segunda, discretamente até, perguntaram-lhe o que estaria acontecendo e se poderiam fazer algo para ajudá-la. Sem dizer nada, a chorosa limitava-se a balançar a cabeça negativamente, tal qual um ventilador numa tarde quente de casa cheia. E isso tudo ocorrendo a centímetros de mim. Não ousei dirigir-lhe palavra. Continuei impassível, gélido. Certamente me julgou insensível, “como quase todo chefe é”, principalmente se ele for varão. Temos que admitir: nós, homens, não sabemos lidar com tais situações.

No dia seguinte, passada aquela crise cujo motivo a mim é até hoje desconhecido, ela, a terceira, ainda que sentada à minha frente, distante pouco mais que alguns centímetros, envia-me uma mensagem via whatsapp com o seguinte teor: “o senhor está pensando em me mandar embora”? Achei deveras estranha aquela situação. Confesso que ri por dentro, pois a lembrança do choro do dia anterior não me permitiu rir por fora. Passado meu êxtase interno, reuni as forças que ainda tinha e lhe digitei um sonoro NÃO. Nada mais. Curto e grosso como um homem. Como um chefe, diriam. Tal fato peculiar se deu por volta das 11:30 horas.

Saí para almoçar às 12:00. Retornei às 13:30. E para minha surpresa, ao sentar-me novamente defronte ao computador em que trabalho, deparo-me com a terceira chorando novamente. Aquilo me intrigou. Fiquei alguns minutos pensativo, imaginando que pudesse ter feito alguma coisa. Mas nada me ocorria. E dessa vez, ao contrário do dia anterior, prometi a mim mesmo que não ficaria na dúvida. Quebrando o gelo perguntei-lhe diretamente, sem rodeios: está tudo bem? Curto e grosso como um homem. Como um chefe, diriam. E ela, na sua sina de ventilador, respondeu negativamente. Com a consciência tranquila de quem fez o que se espera que deveria ser feito, retomei meus afazeres profissionais.

Passados alguns minutos recebo outra mensagem no celular, novamente via whatsapp, remetida pela terceira, com a seguinte pergunta: “quer saber porque estou chorando hoje”? Não tivesse prometido a mim mesmo que não ficaria na dúvida dessa vez, teria eu lhe respondido com um sonoro não. Mas agora a situação era diferente. A semente da curiosidade já havia sido plantada. Então lhe respondi com um abelhudo sim. Curto e grosso, como um….Ah, vocês já sabem. Instantes depois veio a resposta: “porque o senhor, quando lhe perguntei mais cedo se estava pensando em me mandar embora, simplesmente respondeu que não. Curto e grosso, como todo homem, como todo chefe. Sequer teve a curiosidade de saber o porquê do meu choro ontem. Fosse o senhor uma chefe mulher, seria mais sensível, mais preocupada com suas colegas de trabalho, e certamente teria insistido comigo. Mas tudo bem. Deixe-me com meus problemas. Prometo não o perturbar outra vez com isso”.

Cheguei a me sentir mal. Poderia ter agido diferente? Poderia torturá-la até me contar o motivo pelo qual chorava? Não. A minha natureza de homem pouco curioso falou mais alto. Terminado o expediente, fomos todos embora. E no dia seguinte, estávamos os quatro lá novamente, juntos, ainda que distantes, compartilhando o mesmo ambiente de trabalho, um de frente pro outro, como se nada tivesse acontecido, o que só serviu para reforçar em mim a certeza de que mulheres são seres fantásticos, com toda a sua bela e exuberante complexidade.

*Bacharel e Mestre em Administração de Empresas