Trancado

Ele fechou a porta rápido e com força. E trancou, que era para ninguém mais conseguir abrir. E lá dentro, do outro lado da porta, separado dele, um montão de coisas.

Coisas com cheiro, às vezes com forma, algumas até com rostos. Todas elas com histórias. Tudo o que conseguiu arrastar e empurrar para dentro, para o outro lado da porta, estava lá. Empilhadas, descuidadas, ignoradas, um montão de coisas.

- Não quero nem saber - disse ele.

E deu outra volta na chave e pensou, um tanto dramático, quebrá-la ali, dentro da fechadura.

- Pra ninguém mais conseguir abrir - sonhou em voz alta.

Mas resolveu que jogar a chave fora e longe já bastava. E o fez: arremessou por cima dos ombros, para trás. E a chave foi tão longe que ele nem a escutou cair no chão.

O gesto teve algo de raiva e vinha com aquele contorno de pirraça de adolescente - do adolescente que ele nunca deixaria de ser. Mas ele jogou a chave fora como se fosse muito adulto e muito senhor de si.

- A salvo - ele disse.

- Livre - orgulhou-se.

- E nada mais! - reforçou, como se alguém mais, que não ele, pudesse ter dúvidas.

Para se certificar, virou a maçaneta: porta trancada.

- Certo - ele disse.

E virou-se, finalmente, para ver a sala que agora tinha. Uma sala grande. Tão grande. Sem sofá, sem vaso, sem gato, sem pipoca que caiu no chão e que faz lembrar o filme do final de semana.

Uma sala sem nada, uma sala na mais primitiva condição de sala.

De costas para a porta trancada, ele via a sala revelada em sua verdade mais íntima. E era uma verdade vazia.

E de repente não havia o que dizer, pois só haveria o eco cacofônico da própria voz.

Foi quando um nó se insinuou no fundo do seu estômago, e a ideia de ter perdido a chave se enroscou.

Meio bobo, meio envergonhado, e adolescente, sempre adolescente, ele se voltou para a porta. Tímido, tentou virar a maçaneta. Inútil. A porta estava trancada.