Conto das terças-feiras – Os arroubos de um adolescente

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 25 de fevereiro de 2020.

André Luís, adolescente de 16 anos de idade, pais classe média baixa, ganhou um computador e, prontamente, começou a usá-lo de forma indiscriminada. Já conhecia o seu poder desde os dias e noites perdidas em casas de amigos e/ou Lan House - casa da rede -, estabelecimento comercial onde, à semelhança de um “cyber café”, os usuários podem pagar para utilizar um PC com acesso à Internet.

Sua maior batalha foi convencer os pais a plugá-lo à rede mundial de computadores, por meio de provedores e ter acesso às redes sociais e ao “pai Google”, sabedor de todas as coisas. Isso iria ajudá-lo nos trabalhos da escola, dizia André. Os pais cederam e os olhos do adolescente passaram a brilhar mais intensamente. Filiou-se ao facebook, ao MSN e a outras redes sociais, em busca de divertimento, de conhecer pessoas. Jogar só nos sábados e domingos, à tarde. As noites eram para pescar novas amizades. Nessa rede cai Valdenice, também adolescente, 17 anos, e mais esperta que André Luís. Tornaram-se grandes amigos, ela ensinava tudo para o garoto, trocaram fotos, preferências, inclinações, prazeres etc. Ficavam horas e horas das noites nessa troca de conhecimentos. Depois de dois meses nesses largos bate-papos pelo PC, trocaram número de telefones. Conversas quase tête-à-tête, que estreitaram a relação entre os dois, até a família começou a participar. Era necessário, quando alguém diferente – mãe - atendia ao telefone do outro lado da linha, haver um bate-papo a mais entre as futuras sogras. As duas tornaram-se amigas (?) e ambas ficavam sabendo mais sobre eles.

Um convite de Valdenice para André Luís conhecer a sua cidade deixou o cara sem controle, não largava a barra da saia da mãe, não havia objeção que o convencesse a deixar para mais adiante essa visita. Não havia dinheiro para tão longa viagem, ele não poderia viajar sozinho, você nem conhece direito essa garota, dizia a mãe. Nenhum argumento demovia o adolescente de seu propósito. Como último argumento o filho confessou à mãe que a menina corria perigo, o padrasto abusava da garota e a mãe fazia-se de lesada. Depois dessa, os pais concordaram, combinaram com a família da garota, marcaram a data para a tal visita, sob uma condição, que o pai do menino também fosse. A viagem era longa, era preciso tomar conta do garoto inexperiente. Marcaram para o mês de férias do marido, por causa de um dinheirinho a mais.

Foram de avião, passagem financiada em doze meses, família da garota avisada e cordata. Passariam apenas cinco dias, o tempo ideal estipulado pela mãe do garoto, para evitar maiores problemas. Mãe tem sexto sentido. A viagem foi boa, como relatado pelos dois passageiros de primeira viagem. Depois de acomodados em pequeno hotel próximo à casa da garota, saíram para conhecer, pessoalmente, Valdenice e sua família. A mãe era vendedora de uma marca de cosmético famosa, o padrasto Sargento da polícia militar do Estado. Havia mais a avó, um garoto de oito anos, filho do casal e dois cachorros. A recepção foi amigável e marcaram um churrasco para o dia seguinte, domingo. Para se conhecerem melhor.

Na noite de sábado o garoto quase não dormiu, pensando não no churrasco, mas na Valdenice, sua futura esposa, já imaginava ele. Pela manhã do domingo, ele acordou o pai bem cedo, que reclamou:

— Ainda não são nem onze horas, para que essa pressa toda? Não fica bem chegarmos tão cedo à casa de quem quase não conhecemos. Vá tomar café e, fazendo gesto com a mão, apontando para a mesinha na cabeceira da cama, falou:

— Pegue dinheiro na minha carteira, aqui ao lado tem uma mercearia, e vi que servem café, compre pão para você aguentar até a hora do churrasco. Ele foi de má vontade.

Às doze horas os dois chegaram à casa do churrasco, já estava tudo arrumado, não tinha muita coisa, só carne, arroz, farinha e uma salada verde. O garoto não estava interessado nisso, queria se aproximar da garota, ter ao menos um abraço, ou quem sabe, um beijo roubado? O padrasto vigiava os seus passos, mesmo estando preocupado com o fogo do churrasco, e do garoto. As carnes já estavam cortadas, era só colocá-las na grade da churrasqueira. O fogo estava bem vivo. O tempo passou e, às seis horas, o padrasto pediu para falar a sós com André Luís. O pai deste se afastou e ficou esperando do lado de fora da casa. Passados alguns minutos, André saiu em direção ao pai e categoricamente falou:

— Pai, vamos imediatamente para o hotel, não fico mais um minuto aqui. O pai, assustado, balançou afirmativamente a cabeça e os dois se foram. Não houve despedida.

Ao chegarem ao hotel, contaram o sucedido ao dono do estabelecimento, que recomendou que partissem imediatamente dali.

— Vocês devem ir para um hotel mais próximo do aeroporto e lá esperar a hora da partida do voo. Não devem se expor de maneira nenhuma, só sair na hora marcada para o embarque. Até no aeroporto vocês devem se comportar discretamente, vocês correm perigo. E assim foi feito, só que tiveram de ficar trancados no hotel até o dia da partida, para não pagarem a multa, por antecipação de voo. Até hoje não se sabe o que aconteceu durante a conversa reservada entre o padrasto e André. Também não se sabe por que o dono do pequeno hotel os fez agir sorrateiramente. André apagou o contato de Valdenice, passou quase cinco meses sem abrir o computador e fechou-se em copas. Seu pai pediu para trocar o número do telefone residencial. Em casa nada mais se falou sobre esse caso.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 25/02/2020
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