Manchete de jornal
Há de se esvair: toda raiva, todo sangue inocente derramado, a fome de barrigas roncando, feito bocas de lobo famintas. Cruel. Tão nobre e tão podre esse teu rosto de pobre. De marcas nos olhos, de vida difícil, de mãos calosas e com calças sujas nos joelhos e camisa de botões desabotoados na altura do peito, mostrando os pelos do corpo e ostentando um bigode de cores grisalhas que cobre a boca, dando um aspecto de abandono do teu ser.
Será que ele sofre? É claro que sim. Não de doenças, mas de remorso, de angústia e de dores da idade. Doem-lhe os joelhos, já gastos de tanto caminhar; os calcanhares, de tanto usar chinelos; as costas, de tanto dormir em camas sem colchões; e os olhos, de tanto ter de enxergar a miséria e a maldade dos homens.
O que será dele? Sem emprego, tenta a sorte nas ruas, carregando um saco surrado de pano com os restos que encontra por aí. Ele mendiga pelas ruas em busca de comida, de trocados e de uma mão amiga, e isso ele não tem, e nem sabe quando vai ter. Ele espera, com paciência, ainda, que alguém um dia lhe ajude, não com dinheiro, mas com um emprego. Ele que sabe rebocar paredes, assentar tijolos e fuçar em canos; não é o melhor em sua profissão, mas faria o melhor dele por alguns vinténs. Mas quem ousaria lhe contratar? Ninguém, a não ser por pena.
Invisível. É assim que ele se sente. As pessoas não notam a sua presença, principalmente quando ele estende o braço magrelo em busca de comida ou de uma mísera moeda. E são assim todos os dias e vai ser assim pelo resto de sua vida. E na morte, quando não existe mais chance é que todos vão descobrir quem ele era. Pobre homem, só ficou conhecido depois de virar manchete de jornal: morador de rua morre de frio na Praça da Sé.