Os nomes
O enlace matrimonial se deu na Igreja Nossa Senhora do Bom Sucesso, na manhã de um domingo radiante, que antecipava um dia ensolarado, que louvava a união de Renato e Célia, ele, na idade de vinte e dois anos, ela, de vinte e dois anos de idade, ele, natural de São José dos Campos, ela, de Taubaté, ele, de uma família de palmeirenses, ela, de uma família de corinthianos, ele, canhoto, ela, destra, ele, branco, ela, negra, ele, de inteligência curta e escassa leitura, ela, de inteligência igualmente curta e equivalente escassez de leitura. Amavam-se Renato e Célia. Conheceram-se, no carnaval, dois anos antes. Foi amor à primeira vista. Foi atração à primeira vista. Ele, forte, espadaúdo, de queixo quadrado, tórax amplo e bíceps de pedra, atraiu a atenção dela. Ela, de corpo escultural, de esplendorosa comissão de frente e deslumbrante bateria, atraiu os olhares dele. Travaram conhecimento um do outro. E encerrou-se no altar o relacionamento que principiou com o desejo carnal. Amavam-se. O semblante deles, na Igreja, durante a cerimônia matrimonial, de felicidade contagiante. Nos dois anos de namoro, tiveram as suas escaramuças, e atravessaram os sete círculos do inferno. Singraram todo o espaço, extenso e tortuoso, que levava ao céu. E no céu estavam naquele domingo alvissareiro.
Transcorreram-se os dias.
No consultório médico, souberam Renato e Célia que seriam pais de trigêmeos. Sorriram, consigo, extraordinariamente felizes. Trigêmeos! Trigêmeos! Eram os primeiros trigêmeos da família. Paulo, tio de Renato, e sua esposa, Marcela, são pais dos gêmeos Vicente e Mateus. José Carlos, irmão de Célia, e sua esposa, Rafaela, são pais das gêmeas Valéria e Larissa. João e Adriana, vizinhos de Renato e Célia, são pais de Cláudio e Cláudia. Há gêmeos na família; trigêmeos não há. Haverá. Nasceriam os três meninos dali quatro meses, fortes, robustos, belos, formosos, de nariz igual ao da mãe e focinho igual ao do pai.
Nos dias seguintes, sorridentes, Renato e Célia deram a notícia para os familiares e para os amigos. Não se continham. Renato seria pai de trigêmeos! Célia seria mãe de trigêmeos. Trigêmeos! Trigêmeos! Antecipavam as alegrias e as preocupações, as noites que passariam em branco, os choros; e viam os trigêmeos dez anos no futuro, meninos buliçosos, traquinas, espevitados, e os imaginavam na idade de vinte anos, fortes, altos, audazes, e em pensamento viajando através do tempo, via-os aos quarenta anos, de escassos cabelos brancos e pretos, casados, e pai, ou de três filhos, ou de dois, ou de quatro. Já se imaginavam avós. E perguntavam-se que nomes dariam aos meninos. Eram três meninos. Teriam de escolher um nome para cada um deles. Precisariam de três nomes. Quais seriam os nomes? Na casa dos pais de Célia, reunidos os familiares em festa, em certo momento, falando de nomes para as crianças, e ninguém se negou a fornecer as suas sugestões, Lidiane, prima de Célia, propôs:
– Três nomes com finais iguais.
– Não entendi – disse Célia, e os olhares de todos indicavam que ninguém entendera o que dissera Lidiane, que tratou de explicar:
– Escolher para os três meninos nomes cujas últimas sílabas sejam as mesmas. Sugestões: Roberto, Norberto e Heriberto.
– Cruz-credo! – exclamou Célia. – Que nomes horríveis!
– Horríveis? – perguntou o pai de Célia. – Horríveis, filha? Você esqueceu-se do meu nome? Meu nome é horrível, é?
Todos riram; todos gargalharam.
– Não, pai. Norberto é um nome horrível. Heriberto é um nome horrível. O seu, não. O seu é o mais bonito dos nomes.
– Filha. Filha – disse Roberto, em tom de censura amigável. – Você esqueceu-se do nome de seu avô, meu pai?
E todos, mais uma vez, gargalharam.
– A emenda saiu pior do que o soneto, filha – comentou Margarida, mãe de Célia. – Seu pai, Roberto; seu avô, pai de seu pai, Norberto; seu bisavô, pai de minha mãe, Heriberto.
De tão estrondosas e ensurdecedoras as gargalhadas que se seguiram, que a estrutura da casa tremeu.
E sugeriram outros nomes.
Eis as sugestões de Marcos, irmão de Renato:
– Juvenal, Lourival e Durval.
Gargalharam todos.
– Que nomes horríveis! – foi unânime a rejeição.
– E não combinam – observou Lidiane. – “Nal” de Juvenal não combina com “val” de Lourival e Durval.
E Laura, prima de Renato, sugeriu:
– Bartolomeu, Romeu e Tadeu.
– Não combinam – observou Célia. – A última sílaba de Tadeu é ‘deu’, e não ‘meu’ como a de Bartolomeu e de Romeu. Além disso, os três nomes são feios.
– Feios? – perguntou, indignada, Madalena, tia de Renato. – Tadeu é o nome de meu pai, que é avô, portanto, de Renato, seu marido.
E todos gargalharam.
– Pense antes de falar, Célia – aconselhou-a Renato.
– Então – sugeriu Márcia, tia de Renato -, que seja Irineu.
– A última sílaba de Irineu é ‘neu’ – observou Roberto.
– É verdade – comentou Márcia, censurando-se.
– Que sejam os seus filhos – sugeriu Roberto – batizados com nomes da terra de meus ancestrais: Albertino, Severino e Balduíno.
E uma onda de gargalhadas arrasou a casa, como um tsunami.
– E não ria, filha – censurou-a Roberto. – E não diga que tais nomes são feios. Um de meus tataravôs chamava-se Albertino, e um outro, Balduíno, e um outro, Severino.
E seguiram-se as gargalhadas.
– Josias e Jeremias! – exclamou Pedro, ou Pedrinho, irmão caçula de Renato. – Na minha escola, são meus amigos o Josias e o Jeremias.
– Jeremias e Josias são dois nomes – observou Célia. – Tem de ser três nomes.
– Escolhe estes dois – sugeriu Pedro. – O terceiro nome o acharemos em outro dia.
Riram à solução do menino.
– Tobias pode completar o trio – disse Roberto.
Célia e Renato não gostaram dos nomes.
– Tenho uma proposta – disse Neusa, vizinha. – Adriano, Mariano, Fabiano e Feliciano.
– Quatro nomes – observou Madalena. – Precisam Renato e Célia de três nomes, e não de quatro.
– Faltou um nome para o Pedrinho – comentou Roberto – e sobrou um nome para a Neusa. Vocês nunca estudaram aritmética?
E todos riram. E todos gargalharam.
– Que tal João, Carlão e Tonhão? – sugeriu Roberto.
E riram. E gargalharam.
E encerradas as gargalhadas, seguiram-se outras sugestões.
– Adroaldo, Osvaldo e Ricardo – sugeriu Vinicius, irmão de Célia.
– O quê? – perguntou Maristela, prima de Renato. – Não combinam.
– A última sílaba dos três nomes é ‘do’ – defendeu a sua sugestão Vinicius.
– Mas não combinam – replicou Maristela. – ‘aldo’ de Adroaldo, ‘aldo’ de Osvaldo, e ‘ardo’ de Ricardo…
– Essa ardeu em meus ouvidos – interrompeu-a Roberto.
– Então – disse Vinicius -, que sejam Adroaldo, Osvaldo e Ariovaldo.
– Ou Geraldo, Rivaldo e Nivaldo – sugeriu Cecília, irmã de Célia.
– Já sei – clamou Pedro, chamando a atenção de todos para si. – Já sei os nomes dos meus primos.
– Dos seus primos, não – corrigiu-o Renato. – Dos seus sobrinhos.
– Você será tio deles, Pedrinho – informou-o Roberto.
– Já sei qual será os nomes deles: José, Josué e André.
– São diferentes… – principiou Célia, e interrompeu-a Pedro:
– Todos os nomes terminam com ‘é’.
– Sim – concordou Mário, primo de Renato, para, em seguida, completar: – Mas a última sílaba de cada nome é diferente umas das outras: ‘zé’, ‘é’ e ‘dré’.
– Conheço vários nomes com a mesma última sílaba – disse Ricardo, primo de Renato, até então em silêncio. – São… – e fez ar de quem contava, em pensamento. – São dez nomes: Denílson, Edson, Edmilson, Adilson, Gerson, Gilson, Jackson, Jéferson, Nilson e Nelson.
E discutiram qual era o melhor trio:
– Gostei de Gilson, Denílson e Nilson – disse Roberto.
– Eu, de Nelson, Jéferson e Edmilson – disse Vinicius.
– Prefiro Adilson, Jackson e Edson – disse Renato.
– Adilson, Gerson e Jéferson são mais bonitos – disse Madalena.
E apresentaram dezenas de outros trios, até que Ricardo apresentou uma lista com sete nomes: Daniel, Rafael, Manoel, Gabriel, Miguel, Israel e Natanael, e acalorou-se o debate.
Quais seriam os nomes dos trigêmeos de Renato e Célia? Daniel, Miguel e Israel? Denílson, Gerson e Nelson? Albertino, Severino e Balduíno? Juvenal, Lourival e Durval? Adroaldo, Osvaldo e Rivaldo? Rafael, Manoel e Natanael? Gilson, Nilson e Adilson? Fabiano, Mariano e Feliciano? Jéferson, Jackson e Edson? Nivaldo, Geraldo e Ariovaldo? Eram tantas as opções, que discutiram durante uma hora, até que, enfim, Renato e Célia optaram pelos nomes que mais os agradavam: Daniel, Rafael e Gabriel. E esses os nomes que os três meninos receberam à pia batismal.
Decorridos dois anos e quatro meses dos eventos até aqui narrados, Renato e Célia, ela em nova gestação, receberam, no consultório médico, a notícia, que os surpreendeu enormemente: Célia está grávida de trigêmeas.
– E dizem que dois raios não caem no mesmo lugar! – sentenciou Roberto, ao receber a notícia.
E reuniu-se a família.
E selecionaram os nomes para as meninas.
E as três meninas teriam nomes com a mesma última sílaba.
Apresentaram dezenas de sugestões, e Célia por nenhuma delas se decidiu, por uma razão: Queria que uma das meninas se chamasse Beatriz, em homenagem à avó de Célia, a sua madrinha de batismo, falecida havia cinco anos. E ninguém conhecia outro nome de mulher com última sílaba em ‘triz’.
– Renato – disse Célia, no dia seguinte -, ninguém, na casa de meus pais, soube dizer outro nome, além de Beatriz, com última sílaba em ‘triz’. Vamos consultar o pai dos burros à procura de nomes que nos agradem.
E mãos à obra… no dia seguinte.
No transcurso dos dias, compulsaram Renato e Célia vários tomos de repositórios do idioma vernáculo. Alguns pesavam toneladas.
– Este pai dos burros – comentou Renato enquanto folheava um tomo de quase duas mil páginas impresso em 1940 – está velho e obeso. Deus me livre! Que peso!
– Este pai dos burros – comentou Célia, certo dia, na Biblioteca Municipal, tendo à mão um fino Pequeno Dicionário Escolar da Língua Portuguesa de não mais do que cem páginas – está tão magrinho, coitado! Desnutrido, o bendito!
– Este pai dos burros – disse Renato, em outra ocasião, um minidicionário à mão – é tão nanico, tão nanico, que, se tentar escalar um pé de alface, dele não chegará à metade.
– Este pai dos burros – comentou Célia, avaliando um dicionário de bolso – está esbelto. É um pouco baixo, mas de bom tamanho.
E sucederam-se os dias.
E encontraram Renato e Célia os dois nomes que rimavam com Beatriz.
E nasceram as trigêmeas.
E Renato e Célia, no Cartório de Registro Civil, registraram os nomes de suas filhas: Beatriz, Diretriz e Meretriz.