Conto das terças-feiras – História escrita por uma criança

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 11 de fevereiro de 2020.

Dezesseis horas de um sábado qualquer, cidade de Belém do Pará, eu lia o jornal do dia quando minha segunda filha, Renata, com apenas nove anos, tentava me dizer que havia escrito um livro. Em princípio, abstraído pela leitura que fazia, não dei atenção ao que ela falava. De repente, penetrou fundo em minha mente a sentença, “quinto capítulo”. Parei a leitura que estava fazendo e pedi para a minha filhinha recomeçar a sua leitura, agora eu estaria atento.

Quando ela terminou perguntei-a se já lera ou ouvira aquela história. A resposta, enérgica, foi, não! O que estava escrito naquele caderno espiral era de sua própria lavra. Fiquei emocionado, pedi para ver o caderno, com vários outros escritos, e perguntei se eu poderia ficar com ele. Queria levá-lo ao colégio que ela estudava, para saber se estava falando a verdade. Não lhe falei, porque não queria desacreditá-la, também ficaria péssimo se ela percebesse que não estava acreditando em sua palavra.

Na segunda-feira seguinte, fui ter com a professora e a resposta me deu bastante orgulho. Fiquei sabendo que ela era a que melhor fazia redação na sala, e que sempre tirava nota máxima nesse quesito. Voltei para casa e perguntei à minha filha se eu poderia publicar a historinha dela, isto é, editar um livro. Ela, meio desconfiada, acho que não sabia que bicho era aquele, editar. Com a concordância dela, a história do “Menino e o verme”, encontra-se perpetuada em um pequeno livro, que até o Presidente Sarney recebeu um exemplar, das mãos de sua autora.

Segue um resumo da história dela.

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“Todos os cientistas dizem que os vermes são maus. Vou contar a história de um verme bom que por ter muito amor conseguiu virar gente.

I CAPÍTULO

— Puppy, meu filho ligue para o médico, estou passando mal. Puppy perguntou para a mãe o que estava acontecendo. Sua mãe disse que o médico informara que teria um verme dentro dela, e que iria sentir muita dor durante a gravidez. Assustado, o menino pergunta se era a irmãzinha Juliana que estava para nascer. Ela está doente? A mãe, tentando sossegar o garoto, responde que está tudo normal com a criança.

Enquanto isso, na barriga da mãe estava o verme a cantar:

— Lá, lá, lá, lá. Ah, que lindo dia! Queria estar lá fora tomando banho de sol.

De repente... Bum, bum, bum. O que está acontecendo nessa barriga? Acho melhor verificar – falou baixinho o verme. — Socorro, socorro – gritava Juliana.

— Olá menina, o que está você fazendo aqui? – o verme perguntou. A menina retrucou — eu sou a dona daqui.

— Pelo amor de Deus! Mais um louco aqui.

— Amor..., moço, o que é amor?

— Amor, amor é... é..., quer dizer, é... amor é a juventude, amor é a vida, é tudo que você pode imaginar.

— Sabe, agora eu não imagino muita coisa. Quando eu nascer vou poder imaginar muita coisa. Ei, você é o verme?

— Sou, por quê?

— Minha mãe não gosta de você, eu gosto! O que você está fazendo aqui?

— Eu fico aqui para cuidar da criança que vai nascer.

— Eu sou essa criança!

II CAPÍTULO

— Bom dia menina.

— Bom dia verme.

— Está pronta para a caminhada?

— Estou, e você?

— Estou só esperando você!

— Por quê?

— Porque você não está preparada, nem tomou café.

— E o que é café?

— É um líquido meio preto que bebemos para nos sentirmos mais dispostos, respondeu o verme.

— Verme, você sabe o que é inteligência?

— Sei, é a mágica defesa que o homem tem contra todos os seres e coisas.

— Ah, então venha comigo conhecer a barriga de sua mãe. — Olhe, aquilo é o que chamamos de osso. Antes de vir para cá fui levar seu irmão à escola e aprendi muita coisa, aprendi até o que é terra.

— A terra é um lugar lindo, cheio de árvores, que são um monte de paus, e nas pontas carregam folhagem verde.

— Desculpe perguntar novamente, mas eu queria saber o que é verde?”

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Todo o pequeno livro, 32 páginas, descreve, em seus seis capítulos, os diálogos travados entre a menina e o verme, coisa saída da cabeça de uma criança.

Eles passeiam pelo corpo da mãe, com o verme preparando o feto a conviver no mundo lá fora. São aulas de história, comportamental, conceitos sobre amor, mentira, vida e morte, uma convivência saudável. Já nesse ponto percebe-se que a separação entre os dois será traumática

No dia do parto, o verme declara que ela precisa partir, e que ele gostaria de ir também, embora sabendo que era quase impossível.

No quinto e no sexto capítulos, se dá o desfecho dessa linda história.

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Quase na hora do parto, Juliana e o verme travam o último diálogo:

— Diga rápido o que eu devo fazer para sair com você, falou o verme, temeroso em perdê-la.

— Use sua força do amor, respondeu rápido a menina, já no momento de nascer.

O último diálogo surpreende, como também surpreendeu a todos os presentes na sala de parto:

— São gêmeos, Puppy, disse o pai. Daremos a ela o nome de Juliana e o dele, Jorge Augusto.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 11/02/2020
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