Conto das terças-feiras – O auxiliar de campo producente
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 4 de fevereiro de 2020
Para o plantio de uma cultura agrícola, alguns cuidados devem ser sempre observados. Na área já limpa faz-se o balizamento, que consiste em demarcar as covas onde serão colocadas – plantadas - as mudas da espécie vegetal a ser cultivada.
Para a realização desse trabalho em áreas de uma instituição de pesquisa, o pesquisador normalmente conta com um ou dois auxiliares de campo. O trabalho mais enfadonho é o balizamento, o auxiliar tem que cortar estacas, colhidas ali mesmo na área, para separar os tratamentos, colocá-las nas distâncias previstas no projeto de pesquisa, demarcando o exato local do plantio das mudas, de acordo com o desenho experimental estabelecido, levando-se em conta a quantidade de tratamento e as repetições.
O trabalho inicia-se cedo, para não ultrapassar o dia. No caso específico havia bons auxiliares de campo, os mais antigos já conheciam o trabalho e eram ligeiros, nem precisavam de monitoramento. Outros, bastante lerdos, tinham que ser observados durante a execução de todo o serviço. Era muito comum encontrar algum deles sentados no chão ou até mesmo deitados, enquanto esperavam as ordens do técnico responsável pelo trabalho. Chegavam a ser indolentes, preguiçosos mesmos.
Para um caso mais exagerado de conduta, o auxiliar de nome Mané do Carimbó, cara bom na dança, mas péssimo como auxiliar de campo, ganhou disparado. Havia três meses que ele trabalhava na Instituição. Era “pau pra toda obra”, assim se classificava, mas somente para alguns serviços, principalmente quando era chamado para entregar encomenda. Agia mais rápido que o nosso carro de correio, veloz de verdade quando montado em seu veículo de duas rodas, apelidado de “máquina voadora”. Cobria a distância de 20 km entre a sede regional e a estação experimental, em pouco mais de 30 minutos. Dizia que a bike pesava menos de 10 kg, só contava com os pneus, o aro, o guidom, os “pedaus” e o varal, que unia os dois aros. O velocista ainda levava vantagem no peso do esqueleto, quase não tinha carne. Nessas entregas, o cara geralmente não retornava ao seu local de trabalho, alegava outros afazeres que lhes eram solicitados na sede.
Sendo tão veloz assim, Mané do Carimbó foi aceito para ajudar na instalação de uma área experimental, por falta de outros auxiliares, era período de férias, o trabalho exigia pressa, agilidade, velocidade, as mudas a serem transplantadas estavam inoculadas com fungos que promovem associação simbiótica com as raízes de plantas, para aumentar a eficiência na troca de nutrientes entre as duas espécies.
No início tudo corria bem, Mané, com seu radinho de pilha ouvia suas músicas prediletas, carimbó, e dançava disfarçadamente. Os responsáveis pelo projeto demarcavam a área, separando as parcelas dos tratamentos e das repetições com barbante, traçando linhas no chão. Aos poucos o auxiliar de campo trazia as estacas, enterrando-as no local indicado e voltando para cortar mais estacas. O trabalho progredia, à medida que as estacas eram afixadas, os técnicos retiravam o barbante e avançavam na demarcação, a área era grande 18 tratamentos, três repetições e 20 mudas a serem plantadas por parcela. O Mané demonstrava habilidade, o seu trabalho era elogiado pelos dois técnicos, que tinham que andar depressa com suas tarefas para não decepcionar o ajudante. O cara era realmente ligeiro, após afixar as estacas ele corria para ‘cortar’ mais. Estava dando uma canseira nos seus chefes, e a cada corrida mais estacas ele trazia. Os técnicos suavam em bica. O auxiliar, sempre dançando e sorridente, não parecia que estava a trabalhar.
De repente, um dos técnicos resolveu inspecionar o trabalho já realizado, voltou ao início da quadra e pegou o Mané sentado debaixo de uma árvore, com seu inseparável radinho de pilha encostado ao ouvido. Ao seu lado uma ruma de estacas.
— Mané, o que você está fazendo aí sentado?
— Tõ fazendo uma horinha, já tenho estacas para a área toda, o “dotô” já terminou o seu trabalho?
Irritado o técnico olhou para os lados percebendo que não havia nenhuma estaca afixada nos locais já demarcados, percorreu mais alguns passos, tudo igual. Avançou para o descansado operário e falou:
— Você estragou todo o nosso trabalho, isso custou dinheiro
— Eu fiz como os “dotores” estavam “fazeno”, quando retiravam o barbante das “marcaçãos” eu também retirava as estacas e levava elas lá prá frente pro “selviço” não atrasar e eu só tô sentado “por causa de que” lá na frente “tão todos atrasado”!