O ÓDIO NOSSO DE CADA DIA III*
A cada noite o ódio pela vizinha de cima só aumentava. Ela tinha um problema sério, só conseguia dormir no mais absoluto silêncio. E a dona do apartamento acima do deles cismava de arrumar a casa sempre depois das 22:00hs. Já conversara com ela umas quatro vezes, sempre com a promessa de mudança. Reclamar com a síndica também não dera em nada. Nas últimas vezes começou a bater no teto com a vassoura e a chama-la dos piores nomes existentes na inculta e bela língua portuguesa. O marido não ajudava em nada já que tinha um sono mais pesado que um caminhão. Já conseguira acordar o vizinho da frente com seus impropérios sem que ele acordasse.
Gravou os barulhos e apresentou na reunião do condomínio, conseguindo assim que ela fosse multada. Mas a sua real vontade era ir as vias de fato na próxima noite em que ela começasse a arrastar móveis. A coisa estava ficando tão feia que o marido passou a procurar outra casa para alugar, mesmo adorando o condomínio onde estavam.
Uma bela noite ele foi acordado por sua esposa. Ela estava chorando e falava de forma histérica:"Meu Deus, como eu sou má! Como eu sou má! Será que um dia Deus vai me perdoar? Como eu posso ser assim tão maldosa..."
Ele a abraçou e a deixou chorar em seu ombro por um tempo. Depois foi até a cozinha e preparou um copo de água com açúcar. Depois que ela o bebeu disse: "Agora com calma me conta o que aconteceu."
"Sabe a nossa vizinha, a do barulho"
"Sei, como eu sei"
"Então, hoje ela não ficou fazendo limpeza. Eu a escutei chorando e implorando para o marido para que ele cuidasse bem da filhinha deles. Ela tem câncer terminal. Era por isso que ela não consegue dormir. E eu fui tão maldosa! Tão maldosa!" E voltou a chorar abraçada nele.