Uma estrela caiu no meu quintal

Estava sentado numa cadeira branca de plástico à porta de casa, a apreciar o escuro da noite desprovida de luzes de candeeiros públicos, quando caiu uma estrela no meu quintal. Franzi a testa em curiosidade. Não vi, mas deduzi que de uma estrela se tratava porque vinha do céu, ou melhor, pareceu-me vir do céu, mas podia, muito naturalmente, ter caído de um lá de cima qualquer. A minha mãe contou-me outrora que, «no tempo dela», encontravam-se muitas estrelas caídas, e que ela já tinha capturado uma.

Tinha sido algo brilhante e rápido. Pode tão francamente nem ter sido isso mas foi uma estrela, de certeza. Logo que a estrela (ou pelo menos, ao que se parecia com uma) caiu, o cão da vizinha começou a ladrar veemente e, com o som levantei-me em breves pulos. Andei em passos cautelosos, esmerados, começando a suar ansiosamente, em direção ao que pernoitava no meu quintal. A medida que me aproximava do local onde assumi ter visto a estrela descansar, o cão tornava-se mais inquieto, as folhas rangiam e soltavam-se das árvores lestamente, e o ar movia-se, agitava-se com ímpeto.

Chegado ao que julguei ser o ponto de repouso da estrela, deparo-me com nada. Isso, nada. Bem, havia terra e havia relva miúda, mas de estrela não havia nada. Assim que não vi nada o cão deixou de ladrar muito subitamente como quem se cala em desconfiança de ter ouvido rumores fragorosos. Com aquele silêncio brusco veio o silêncio sossegado do vento que já não atacava as roupas penduradas no fio que acabavam de secar.

Decidi andar em volta da casa desveladamente à procura da estrela, e por fim conclui que a mesma tinha desaparecido, ela tinha-se dissolvido após a sua chegada ao meu quintal. E por alguma coincidência (ou talvez até esteja tudo verdadeiramente relacionado), a noite tornou-se calada e taciturna. Talvez tivesse sido aquela a última estrela do céu. Voltei a me sentar na cadeira branca de plástico e, ali mesmo, acordei.

Kiary Cardoso
Enviado por Kiary Cardoso em 01/02/2020
Reeditado em 01/02/2020
Código do texto: T6855885
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.