Conto das terças-feiras – Irmãos e grandes amigos
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 28 de janeiro de 2020.
Confortavelmente sentados, Roberto e Niêta, sua esposa, conversavam amenidades. Roberto olhou para ela e falou:
— Puxa vida, completarei 80 anos amanhã, não esperava que chegasse tão rápido esse dia.
— Não foi tão rápido assim, ponderou Niêta. Nossos filhos estão todos formados, são profissionais de gabarito na área de saúde, temos netos que nos dão alegrias, você tirou o seu PhD, e isso leva tempo para acontecer.
— Pensativo, Roberto argumentou, gostaria que todos os meus irmãos estivessem aqui, também meu pai e minha mãe. Seria uma bela festa, daquelas de arromba, concluiu, para depois mergulhar em seus pensamentos.
Enquanto isso, Eduardo, o irmão encostado de Roberto, isto é, um ano mais novo do que o agora oitentão, deitado em uma cama no quarto de hóspedes do apartamento do casal, repassava as lembranças de travessuras e sucessos da vida pessoal dos dois. Por serem ali, colados na idade, sempre estiveram juntos, principalmente nas brincadeiras, quando crianças, e durante a procura de garotas para namorar, quando adolescentes. No aspecto físico, eram completamente diferentes. Roberto era muito magro, o Eduardo um pouco mais cheinho, mais simpático. A sisudez de Roberto provinha do uso de grossos óculos, fundo de garrafa mesmo, por conta de uma miopia bastante acentuada, detectada na adolescência. Mesmo assim, era esse último que sempre arranjava mais namoradas, porque era muito atirado, enquanto seu irmão era mais tímido.
Os dois gostavam de cinema, de dançar e jogar voleibol, características impulsionadas pelo pai que, por algum tempo, fora diretor de clube social e diretor da Federação Cearense de Voleibol. Apesar do esforço do pai, eles nunca chegaram a ser bons jogadores na modalidade, e nem em outra qualquer. O negócio dos dois era mesmo os estudos. Tanto assim, que em 1956, Eduardo, com apenas 15 anos fora aprovado no concurso para a Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza (EsPF).
Da memória de Eduardo saltaram fragmentos que diziam respeito aos acontecimentos seguintes à sua aprovação ao ingresso na carreira militar. Nos exames físicos e intelectual ele fora bem classificado, mas no exame de saúde houve a necessidade de repeti-lo, devido ao pouco peso que apresentara em relação à sua altura. Foram dadas a ele quatro semanas para chegar ao peso exigido. Seu pai, o grande entusiasta da entrada do filho na carreira militar, preparou uma dieta especial e, na manhã da segunda aferição de peso, fez Eduardo comer nada menos do que cinco bananas, ele quase que vomitava tudo! O garoto saiu de barriga cheia, mas foi aprovado. Às 22 horas de 10 de março de 1957, um domingo, ele estava pronto para transpor, pela primeira vez como aluno, o portão principal da EsPF, e se juntar a centenas de jovens, ainda desconhecidos, oriundos do Ceará e outros estados brasileiros. Ele deixaria a sua família, o seu lar, para entrar em um mundo completamente diferente e passaria a ser o aluno 201, integrante do Exército Brasileiro.
O que realmente mais se destacou dessa mergulhada nas lembranças de Eduardo, foi o pedido de Roberto para acompanhá-lo até ao portão principal da nova morada do mano. Fizeram o trajeto, até a Escola, calados e cabisbaixos, Bebeto e Dadinho, como se tratavam carinhosamente desde criança, sabiam que a dupla seria desfeita a partir daquele momento. Ambos estavam angustiados e procuravam, com seus passos lentos, retardar o momento da separação. Quando chegaram defronte a Escola ambos se abraçaram, um abraço demorado, quase de despedida. A seguir, conforme expressou Dadinho, no jantar de aniversário do irmão, este proferiu a seguinte frase: “nossa dupla está desfeita, agora vamos tomar caminhos diferentes”, no que ele (Dadinho) emendou: “o importante é que jamais deixaremos de ser irmãos e grandes amigos”.
Os dois, embora tentassem segurar as lágrimas, choraram copiosamente. Dadinho, enxugou apressadamente o rosto e, sem olhar para trás, seguiu em frente a passos rápidos, não podia entrar na Escola chorando, apesar de seus 16 anos, ele agora era adulto e militar! A vida dos dois tomou trajetórias diferentes, um na área das ciências agronômicas, o outro das ciências militares, mas os caminhos sempre se cruzaram, principalmente nas festas natalinas e nas datas dos aniversários dos pais, além de terem se encontrado em Brasília quando Roberto foi para a EMBRAPA e, o à época Tem. Coronel Eduardo, fora servir no QG do Exército por dois anos.
A comemoração dos 80 anos de Roberto foi mais um marco na história dos dois irmãos, agora mais conscientes da validade da amizade entre irmãos ou mesmo entre pessoas fora do círculo familiar.
O lar do casal Niêta e Roberto, naquela noite, recebeu amigos, ex-alunos, ex-companheiros de trabalho e, como não podiam faltar, filhos, netos, noras, genros, e os irmãos da esposa e do aniversariante. Foi uma festa de arromba, como queria o homenageado, embora não estivessem presentes seus pais.