Medo da tarde

O compadre André é um sujeito cheio de manhas. Não gosta de sair ao entardecer por medo. Não que ele esteja doente, mas por uma questão pessoal. Assim ele contou:

- Era tarde de domingo. Eu sai mais cedo e fui assistir a uma partida de futebol no estádio municipal. A distância era muita. Não fui de bicicleta, pois pretendia tomar algumas doses de pinga na venda do Padrinho João.

- Almocei bem. Comi macarronada com queijo ralado, azeitona preta, arroz bem soltinho, feijão preto, três pedaços de lombo de porco curtido na lata de banha, um molho de cebola de cabeça. Comi pelo menos três vezes. Também bebi dois copos de vinho. A “boia” estava muito boa. A minha esposa sabe cozinhar muito bem.

- Pus o boné de estimação e uma certa quantia de dinheiro para pagar minha entrada. O jogo era a decisão do campeonato da cidade. Vesti a camisa do time e peguei a bandeira. Segui para o campo de futebol.

- O sol estava bem quente. Passei no bar do Paulo e comprei uma garrafinha de água mineral. Era água gasosa. A barriga dava sinal de que ia doer e meu medo era de me dar cólica. O fígado parecia dar sinal de que não estava satisfeito com o almoço. Senti alguns repuxões nas tripas e pensei que isto não era bom.

- Na caminhada, encontrei com o Pedro, um velho amigo e torcedor do outro time. Ele sorriu para mim e disse que o time dele seria o campeão. Disse-me ele, que eu estava triste. Contei-lhe o que estava acontecendo e de imediato tirou um punhado de bicabornato de sódio e no copo da garrafa de água que ele levava, fez com que eu bebesse. Estava bom. Então, falou-me para não preocupar. O jogo começaria e a dor de barriga não chegaria. Fui feliz e logo comecei a torcer. Gritava muito, ria, xingava e mandava muito o nome da mãe.

- De repente, senti uma forte dor na barriga. Tive vontade de soltar um pum, mas não o fiz porque tinham duas senhoras ao lado e ficaria muito ruim para mim se descobrissem a poluição que poderia fazer no ar.

- A dor foi apertando tanto. Não tive outra escolha a não ser sair dali. Despedi das duas senhoras e fui na direção do banheiro. Tinha muita gente ali. Por mais que andava depressa, a dor vinha mais forte e uma vontade de correr e sentar no vaso. Suava de dor e a cada passo, eu me sentia mais pesado e pensei que iria sujar as calças. Perguntei ao homem que cuidava do estádio e com muito custo ele me indicou o banheiro logo ali, atrás do vestiário. Ele me falou que era o banheiro particular dele e disse para não ir aos outros banheiros, pois tinham muitas pessoas ali. Pelo estado em que me encontrava, o banheiro dele era o melhor.

- Corri muito. Logo encontrei o banheiro. Estava muito sujo. Não tive outra alternativa. Fechei a porta, acendi a luz e desci as calças. O alívio foi rápido. Paguei todos os pecados ali. Foram três vezes que utilizei o vaso. Levantava e sentava novamente.

- Quando já estava aliviado, olhei para o lado e não encontrei nenhum rolo de papel higiênico. Olhei por todos os lados e tentei procurar. As buscas foram em vão. Meio chateado, lembrei-me do lenço no bolso. Tive que limpar com o lenço e o joguei no cesto de lixo. O lenço foi presente de aniversário da Tia Odete. Puxei as calças para cima, apertei a correia e me dirigi para abrir a porta. A maldita porta não abria. Tentei de todas as maneiras, mas a sem graça da porta trancou por fora. O negócio foi gritar para que alguém abrisse a porta para eu sair. Gritei de todos os modos. Gritei alto, gritei baixo e até chorei de raiva. Ninguém veio me socorrer.

- O tempo foi passando e subi no vaso para olhar na pequenina janelinha de vidro. A única coisa que vi foi um belo fim de tarde. O sol se escondia no horizonte e eu ali preso, dentro do banheiro.

- Somente no outro dia é que abriram a porta para mim. Foram o Pedro e minha mulher que deram falta de mim e me procuraram por toda a cidade. A última pessoa a me ver foi o zelador do campo. Ele lembrou que eu tinha ido ao banheiro e que esqueceu de dizer para eu não trancar a porta.

- Por isso, tenho medo da tarde.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 25/01/2020
Código do texto: T6850556
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